Este é o 12º artigo desta série. Os quatro últimos são:
08 - A Navalha de Occam
09 - O Príncipe de Maquiavel
10 - As Galinhas de Bacon
11 - O Demônio de Descartes
Decifrar o caráter das pessoas é um passatempo favorito de todos os que se têm na conta de inteligentes. Segundo o mito popular você pode descobrir o “verdadeiro caráter” de alguém pelo modo como se veste, como cumprimenta, como ri ou como reage numa crise. Por mais inócuo que seja um maneirismo – um jeito de acender um cigarro, a maneira de dobrar um lenço -, haverá sempre quem professe ver nisso o modo de vida de outra pessoa. A confiança com que essas regras são afirmadas é geralmente inadequada, e a idéia de que conhecê-las bem constitui a sabedoria da idade é bastante risível. Os que pretensamente conhecem as pessoas dessa maneira meramente aceitam um conjunto de mitos. As perspectivas de uma ciência de caráter humano não são sombrias apenas porque – como observou o filósofo Alasdair MacIntyre – nosso desejo de tornar os outros previsíveis é compensado por nosso desejo de nos tornarmos imprevisíveis para o outro. Segundo MacIntyre (1929 -), há uma razão mais profunda para que todo indivíduo permaneça um enigma para os outros, e trata-se de uma razão que atinge muito mais que o comportamento humano – o fato de que nada prova coisa alguma exceto a si mesmo. O modo como alguém reage em uma crise revela apenas o modo como reage em uma crise; o modo como dobra um lenço mostra apenas o modo como dobra um lenço, e mais nada.
Essa percepção foi a base da obra do filósofo escocês David Hume. Ele acreditava na capacidade que tinha a ciência de compreender o mundo, mas não se isso significasse que ela descobriria toda e qualquer conexão logicamente necessária entre as coisas. Podemos falar de uma maçã que caiu de uma árvore e atingiu a cabeça de alguém que dormia embaixo, mas não podemos mostrar que o primeiro evento tinha de levar ao outro. A necessidade, afirmou Hume, era exclusiva do mundo da matemática e da geometria. Em se tratando dos objetos de nossos sentidos, tudo é contingente e seria insensato sugerir outra coisa. Podemos investigar e registrar novos fenômenos, mas é da natureza desses fenômenos serem independentes. Isto é, nada pode ser inferido deles que não diga respeito à natureza deles próprios. Eles não podem “apontar” para verdades fora de si mesmos para nos poupar o trabalho de mais experimento e investigação. Segundo Hume, não há atalho na busca do conhecimento.
Hume nasceu em Edimburgo, em 1711. Perdeu o pai, dono de uma propriedade muito modesta na aldeia escocesa de Chirnside, aos três anos de idade. Com o irmão e a irmã, foi criado com muito cuidado pela mãe Catherine...
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Este artigo está no tópico – Textos Filosóficos
08 - A Navalha de Occam
09 - O Príncipe de Maquiavel
10 - As Galinhas de Bacon
11 - O Demônio de Descartes
Decifrar o caráter das pessoas é um passatempo favorito de todos os que se têm na conta de inteligentes. Segundo o mito popular você pode descobrir o “verdadeiro caráter” de alguém pelo modo como se veste, como cumprimenta, como ri ou como reage numa crise. Por mais inócuo que seja um maneirismo – um jeito de acender um cigarro, a maneira de dobrar um lenço -, haverá sempre quem professe ver nisso o modo de vida de outra pessoa. A confiança com que essas regras são afirmadas é geralmente inadequada, e a idéia de que conhecê-las bem constitui a sabedoria da idade é bastante risível. Os que pretensamente conhecem as pessoas dessa maneira meramente aceitam um conjunto de mitos. As perspectivas de uma ciência de caráter humano não são sombrias apenas porque – como observou o filósofo Alasdair MacIntyre – nosso desejo de tornar os outros previsíveis é compensado por nosso desejo de nos tornarmos imprevisíveis para o outro. Segundo MacIntyre (1929 -), há uma razão mais profunda para que todo indivíduo permaneça um enigma para os outros, e trata-se de uma razão que atinge muito mais que o comportamento humano – o fato de que nada prova coisa alguma exceto a si mesmo. O modo como alguém reage em uma crise revela apenas o modo como reage em uma crise; o modo como dobra um lenço mostra apenas o modo como dobra um lenço, e mais nada.
Essa percepção foi a base da obra do filósofo escocês David Hume. Ele acreditava na capacidade que tinha a ciência de compreender o mundo, mas não se isso significasse que ela descobriria toda e qualquer conexão logicamente necessária entre as coisas. Podemos falar de uma maçã que caiu de uma árvore e atingiu a cabeça de alguém que dormia embaixo, mas não podemos mostrar que o primeiro evento tinha de levar ao outro. A necessidade, afirmou Hume, era exclusiva do mundo da matemática e da geometria. Em se tratando dos objetos de nossos sentidos, tudo é contingente e seria insensato sugerir outra coisa. Podemos investigar e registrar novos fenômenos, mas é da natureza desses fenômenos serem independentes. Isto é, nada pode ser inferido deles que não diga respeito à natureza deles próprios. Eles não podem “apontar” para verdades fora de si mesmos para nos poupar o trabalho de mais experimento e investigação. Segundo Hume, não há atalho na busca do conhecimento.
Hume nasceu em Edimburgo, em 1711. Perdeu o pai, dono de uma propriedade muito modesta na aldeia escocesa de Chirnside, aos três anos de idade. Com o irmão e a irmã, foi criado com muito cuidado pela mãe Catherine...
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