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    A MISÉRIA DA AMBIÇÃO - AGOSTINHO



    Eu aspirava às honras, à riqueza... E tu rias de mim. Nesses desejos amargos eu sofria dissabores, e tu me querias tanto mais bem quanto menos consentias que eu experimentasse consolação naquilo que não eras tu.

    Olha o meu coração, Senhor, tu que me inspiraste estas lembranças e esta confissão. Que se una agora a ti a minha alma, que arrancaste do visgo tão tenaz da morte. Como eu era miserável! E tocavas na minha chaga viva, a fim de que eu deixasse tudo e me convertesse a ti, que estás acima de todas as coisas.

    Sem ti nada existiria. Tu me revolvias a ferida para que eu me convertesse e ela pudesse sarar. Como eu era infeliz! E como agiste para que eu sentisse minha miséria, naquele dia em que me preparava para declamar um panegírico ao imperador! Aliás, um tecido de mentiras que seriam, no entanto, aplaudidas pelos ouvintes, que sabiam tratar-se de mentiras. Meu coração agitava-se com esses cuidados e ardia na febre de pensamentos indignos, quando, passando por uma viela de Milão, reparei num pobre mendigo que, talvez meio bêbado, estava alegre e de bom humor. Entristeci-me, e fiz notar aos amigos, que me acompanhavam, as angústias provocadas por nossas loucuras. Pois, com todos os nossos esforços (como eram então os meus, carregando sob o aguilhão das paixões o peso da miséria, peso que aumentava à medida que eu o arrastava), onde queríamos chegar, senão à alegria segura em que nos precedera o mendigo e onde talvez nunca chegaríamos?

    Ele, de fato, com aquelas poucas moedas recebidas de esmola, tinha alcançado a alegria da felicidade efêmera, que eu me esforçava para conseguir dando voltas por tantos caminhos tortuosos e cheios de angústias.
    É claro que a alegria dele não era a verdadeira; mas o objeto de minha ambição era bem mais falso. Ele, pelo menos, estava satisfeito com sua alegria, e eu, preocupado; ele era livre, estava tranqüilo, e eu, cheio de inquietações.
    Se alguém me perguntasse pela minha preferência entre a alegria e o temor, é claro que haveria de responder: a alegria. Mas se ainda me perguntassem se preferia ser como aquele mendigo ou permanecer como eu era, teria escolhido continuar como era, apesar das preocupações e temores que me acabrunhavam. Erro de julgamento ou juízo acertado? É claro que não deveria considerar-me superior a ele por ter mais cultura, pois desta não me vinha nenhuma alegria, mas com ela pretendia agradar os homens, não para instruí-los, mas unicamente para ser-lhes agradável. Por isso mesmo, tu me quebravas os ossos com a vara da tua justiça.
    Longe de mim quem diga: "O importante é saber a causa da alegria: aquele mendigo encontrava a felicidade na embriaguez, tu procuravas a tua alegria na glória". Mas, que glória, Senhor? Uma glória que não se fundava em ti. E se a alegria do mendigo não era a verdadeira, tampouco era verdadeira a minha glória, que cada vez mais me perturbava. Na mesma noite, aquele mendigo teria curado sua embriaguez, enquanto eu havia dormido e acordado com a minha, e ainda com ela tornaria a dormir e acordar; e quem sabe por quanto tempo! Bem sei que o importante é saber de onde vem a alegria de cada um, e a felicidade que vem da esperança da fé é profundamente diferente daquela vaidade.
    Mas havia ainda outra diferença entre nós dois: ele era realmente mais feliz, não só porque transbordava de alegria enquanto eu era devorado pelas preocupações, mas também porque ele adquiria o vinho desejando o bem enquanto eu buscava a glória através da vanglória. Eu disse então muita coisa nesse sentido aos amigos e, muitas vezes, me examinava em circunstâncias análogas, para ver como estava, constatando que ia mal, e me afligia por isso, e assim aumentava minha infelicidade. Se me sorria um momento de felicidade, hesitava em segurá-lo, pois estava cônscio de que voaria antes mesmo que eu o alcançasse.

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