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    O Compromisso dos Puritanos com as Escrituras - K. Sarles



    Os fazendeiros puritanos eram famosos por arar sulcos retos na terra, algo que eles conseguiam alinhando duas árvores em seu campo de visão. De forma similar, podemos nos nivelar à prática puritana do aconselhamento para nos ajudar a adotar métodos de aconselhamento contemporâneos que sejam biblicamente precisos. Os pastores puritanos, conhecidos como médicos da alma, representam na história da Igreja "a primeira escola protestante de aconselhamento bíblico". Assim sendo, um primeiro passo importante na recuperação de uma abordagem bíblica de aconselhamento é compreender a essência dos princípios e da doutrina puritana.
    Quem Foram os Puritanos?

    Na crença popular, o termo puritano traz consigo a imagem de um estraga-prazeres austero, pedante, farisaico, um caçador de bruxas. Mas nada poderia estar mais distante da realidade histórica. Embora utilizado originalmente como rótulo degradante, o termo puritano simplesmente (-) denotava aquele que queria purificar a adoração da Igreja e ávida dos santos. O puritanismo inglês surgiu por volta de 1560. Apareceu pela primeira vez como movimento de reforma litúrgica, mas rapidamente se expandiu, tornando-se uma forma distinta de se ver a vida cristã. O fenômeno puritano poderia ser definido como um movimento na Igreja da Inglaterra, da metade do século 16 até o começo do século 18 que buscou reformulação na vida da Igreja e purificação na vida dos crentes, individualmente. Era calvinista quanto à teologia e pietista em sua maneira de enxergar as coisas.

    Sabemos ter havido vários movimentos de reforma na história da Igreja, mas o que destaca o movimento dos puritanos dentre os demais é seu compromisso radical de viver para a glória de Deus. Nesse sentido, ninguém conseguiu resumir o caráter puritano de forma mais eloqüente que J. I. Packer:

    Os puritanos foram almas grandiosas servindo a um grande Deus. Neles, fundiam-se a paixão bem definida e a compaixão de um coração afetuoso. Visionários e práticos, idealistas e realistas também, norteados por metas e metódicos, eles foram crentes magníficos, gente de muita esperança, valorosos obreíros, e grandes sofredores. Mas seus sofrimentos, nos dois lados do oceano (na antiga Inglaterra, nas mãos das autoridades e na Nova Inglaterra, à mercê dos elementos), amadureceram-nos e tornaram-nos experientes, a ponto de adquirirem uma estatura nada aquém de heróica... as batalhas dos puritanos contra o deserto espiritual e climático no qual Deus os colocara produziram virilidade de caráter, inabalável e destemida, vivendo acima do desalento e dos temores.
    Os puritanos ocupam um lugar de grande honra entre o povo de Deus, conclui Packer, porque eles permaneceram doces, pacíficos, pacientes, obedientes, e esperançosos sob pressões e frustrações duradouras e aparentemente intoleráveis".

    A estabilidade e a firmeza promotora da honra de Deus que caracterizavam os puritanos é certamente digna de imitação hoje, em nossa sociedade apressada, extremamente móvel, de alta tecnologia, autogratificadora. Essas mesmas características também permearam a forma bíblica de se ver o aconselhamento. Para se compreender o aconselhamento puritano, e dessa forma imitar sua pratica, precisamos destacar certos elementos de seu pensamento, incluindo a visão que tinham das Escrituras, de Deus, do homem, e do pecado.
    Compromisso com as Escrituras
    As Escrituras constituíam a peça central do pensamento e da vida puritana.
    O puritanismo foi, acima de tudo, um movimento bíblico. Para o puritano, a Bíblia era, na verdade, o bem mais precioso que há neste mundo. Sua profunda convicção era de que a reverência para com Deus implicava em reverência para com as Escrituras, e servir a Deus significava obedecer às Escrituras. Para ele, portanto, não haveria maior insulto ao Criador que negligenciar Sua Palavra escrita: e, de maneira contrária, não poderia haver ato de homenagem mais genuíno para com Deus que valorizá-la e atentar para o que ela diz, e assim viver e repassar seus ensinamentos. A intensa veneração das Escrituras, como Palavra viva do Deus vivo e uma dedicada solicitude quanto a conhecer e fazer tudo que ela prescreve, constituía marca registrada do puritanismo.

    Para os puritanos, a Bíblia era suprema em tudo, inclusive na prática do aconselhamento.

    E a base bíblica para o aconselhamento puritano repousava sobre a doutrina da inspiração divina. O método de inspiração, conforme enxergavam os puritanos, foi por meio do divino superintender do Espírito Santo na escolha das palavras, sem violar o conhecimento ou a personalidade do autor humano. O resultado foi uma inspiração do texto entendida como sendo verbal, plenária, infalível, e inerrante.

    Embora muitos evangélicos contemporâneos concordem com essa visão de inspiração, os puritanos foram além de um simples concordar verbal com a doutrina. Os teólogos puritanos enfatizaram a perspicácia, a clareza e o proveito das Escrituras. Até a forma literária do texto inspirado tornou as Escrituras particularmente relevante à condição humana.
    Quanto à forma de expressão, as Escrituras não explicam a vontade de Deus por meio de regras universais e científicas, mas sim por intermédio de histórias, exemplos, preceitos, exortações, advertências e promessas. Este estilo se adequava melhor no dia-a-dia do homem comum, além de influenciar grandemente a vontade, mexendo com as motivações piedosas que se constituem no alvo principal da teologia}
    Por seu próprio propósito, as Escrituras visam comunicar a verdade de tal modo que o leitor seja direcionado rumo a Deus. A Bíblia não é, tão- somente, apenas clara naquilo que afirma; ela também autentica a si mesma. Nesse sentido, William Ames afirmou: "As Escrituras não precisam de nenhuma explicação proveniente de luz exterior, especialmente quanto às coisas necessárias. Elas se auto-iluminam, e cabe ao homem ser diligente nessa descoberta".9 Essa importante declaração revela a recusa do puritano em introduzir teorias psicológicas estranhas em sua interpretação do texto. A Bíblia era vista como fonte de toda direção, instrução, consolo, exortação e encorajamento divinos.10 O resultado disso foi um método de aconselhamento centrado nas Escrituras, em lugar de uma teoria carregada.

    Um resultado direto da inspiração da Bíblia é sua autoridade implícita. Carregando a marca daquilo que é divino, a autoridade da Bíblia era considerada como final e absoluta. O que quer que a Bíblia dissesse, Deus disse. Conforme Thomas Watson observou: Em cada linha que você lê, imagine Deus falando com você". Isto significa que a Bíblia permanecia como prumo de juízo na consciência do indivíduo, quanto a todos os seus mandamentos e promessas. Em tudo o que diz, era como se o próprio Deus estivesse exortando, encorajando, dirigindo, consolando, instando, trazendo convicção [de pecado], e instruindo.

    Já que a Palavra de Deus consiste das próprias palavras de Deus, sua autoridade é exaustiva, estendendo-se por toda área da fé e da prática, incluindo tudo o que é necessário para a vida e a piedade. Conforme declarou Richard Sibbes: "Não há qualquer coisa ou qualquer condição que aconteça ao cristão nesta vida sem que exista uma regra geral na Bíblia para tal, e essa regra é estimulada por meio do exemplo. Em outras palavras, os puritanos possuíam uma perspectiva teológica holística arraigada nas Escrituras, levando William Ames a concluir: "Não há qualquer preceito de verdade universal pertinente ao bem viver quanto à economia doméstica, a moralidade, a vida política, ou a criação de leis que não pertença, por direito, a teologia". Para os puritanos ) ingleses, toda necessidade psicológica concebível poderia ser satisfeita e todo problema psicológico imaginável poderia ser resolvido por uma aplicação direta de verdade bíblica.

    A aplicação 'das Escrituras era feita de forma mais consistente por meio da pregação expositiva. Conforme explicou Ames: "o dever do pregador comum é destacar a vontade de Deus a partir da Palavra, para a edificação dos ouvintes". O sermão servia como meio de aconselhar, de forma coletiva, edificando o corpo dos cristãos ali reunidos. Pela perspectiva puritana, se os santos não eram edificados, então a Palavra não foi pregada. Falando aos pregadores, contemporâneos seus, Ames advertiu: "Pecam, portanto, os que aderem à descoberta e à explicação nua da verdade, mas que negligenciam o uso e a prática em que consistem a religião e a bem-aventurança. Esses pregadores pouco ou quase nada edificam a consciência". A pregação puritana, portanto, constituía-se em uma forma de aconselhamento preventivo, à medida que as verdades das Escrituras eram aplicadas à consciência. Para atingir esse propósito, cada sermão foi dividido em duas partes principais: doutrina e prática. O resultado era que a pregação se tornava tanto profundamente teológica quanto intensamente prática.

    A passagem das Escrituras a ser pregada era analisada à luz da gramática, da lógica, e contextualmente, e aí relacionada a outros textos de forma a assegurar sua importância doutrinária. Então, "cada doutrina, quando suficientemente explicada, deveria ser aplicada imediatamente". O uso da doutrina estava relacionado tanto ao discernimento quanto ao direcionamento. O discernimento inclui ou a informação dada à mente ou reforma feita ao entendimento (informação é a revelação de alguma verdade enquanto reforma é o refutar de algum erro). O direcionamento consiste em instrução e correção: instrução é o expor da vida que deve ser seguida, enquanto correção é a condenação da vida que deve ser evitada. A forma que o pastor deveria aplicar a verdade bíblica à congregação foi delineada por Ames: "Aplicar uma doutrina quanto a seu uso é afiar e tornar alguma verdade geral especialmente pertinente, com efeito tal, a ponto de penetrar a mente do ouvinte, despertando disposições piedosas". Os puritano leigos estavam completamente aparelhados com motivações adequadas, quanto ao viver para Deus, por meio da instrução prática a partir da Palavra de Deus. O fundamento no qual eles alicerçaram suas vidas foi a Bíblia.