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    A Regeneração no Livro de Efésios - R. C. Sproul


    Em sua epístola aos Efésios, o apóstolo Paulo fa­lou sobre a obra regeneradora do Espírito Santo:

    Ele vos deu vida, estando vós mortos nos vossos delitos e pecados, nos quais andastes outrora, segundo o curso deste mundo, segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência; entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como também os demais. Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos deli­tos, nos deu vida juntamente com Cristo — pela graça sois salvos (Efésios 2.1-5).

    Paulo provê uma descrição gráfica de nossa impo­tência espiritual antes da regeneração. Ele se dirigia aos crentes de Éfeso e descrevia uma condição anterior da qual todos eles tinham compartilhado. E adicionou a fra­se: "como também os demais" (2.3), presumivelmente referindo-se à totalidade da humanidade.
    Ele declarou que essa condição anterior era um estado de morte: "estando vós mortos em vossos delitos e pecados". Novamente, é evidente que essa morte não era causada pela morte biológica, visto que ele enumera ati­vidades em que essas pessoas mortas estavam envolvidas.
    O modo de conduta característico de pessoas mor­tas em seus delitos e pecados é descrito em termos de andar em um curso particular. Ele chama esse curso de "segundo o curso deste mundo" (2.1,2). Nesse caso, o curso deste mundo, como é óbvio, refere-se a um curso ou padrão oposto ao curso do céu. As palavras "deste mundo" referem-se não tanto a uma localização, e, sim, a um estilo ou a um ponto de referência. Envolve a orienta­ção dada por este mundo.
    Os crentes, e os incrédulos, igualmente, comparti­lham da mesma esfera de operações. Todos vivemos nos­sas vidas neste mundo. A pessoa regenerada, entretanto, é guiada pelo alto. Ela tem seus olhos fixos no céu e seus ouvidos estão sintonizados com o Rei dos céus. Já a pes­soa não-regenerada está voltada para esta terra. Seus ou­vidos são surdos para qualquer palavra que proceda do céu; seus olhos estão cegos para a glória que vem do alto. Ela vive como um cadáver ambulante em um cemitério espiritual.
    O curso deste mundo está "extraviado" (Romanos 3.12), ou seja, longe do caminho de Deus. Pelo contrá­rio, envolve uma vereda que é "segundo o príncipe da potestade do ar, do espírito que agora atua nos filhos da desobediência" (Efésios 2.2).
    Os espiritualmente mortos têm um senhor. O se­nhor deles traça para eles um caminho que eles seguem voluntariamente até mesmo ansiosamente. Esse se­nhor se chama "príncipe da potestade do ar". Esse título de realeza só pode referir-se a Satanás, o principal arqui­teto de todas as coisas diabólicas. Paulo o chama de "es­pírito que agora atua nos filhos da desobediência". Sata­nás é um espírito mal, um anjo caído e corrompido, que exerce influência e autoridade sobre todas as suas hordas cativas.
    Paulo estabelece um princípio de vida. Ou anda­mos de acordo com o Espírito Santo ou andamos de acor­do com o espírito maligno. Agostinho comparou, de certa feita, o homem a um cavalo, montado ou por Satanás ou pelo Espírito de Deus.
    E Paulo continuou sua vivida descrição da pessoa regenerada, quanto ao seu estilo de vida ainda não-rege-nerada:

    ... entre os quais também todos nós andamos outrora, segundo as inclinações da nossa carne, fazendo a vonta­de da carne e dos pensamentos (2.3).

    A atenção passa agora do curso externo e da influ­ência externa de Satanás para > estado interno da condi­ção das pessoas não-regeneralas. Uma vez mais, vemos isso como uma condição universal: "entre os quais tam­bém todos nós andamos outrora" A palavra-chave descritiva dessa anterior condição interna é a palavra carne. Aqui Paulo faz eco da linguagem usada pelo Senhor Jesus em sua conversa com Nicodemos.
    A palavra carne, neste ponto, deve ser entendida como um sinônimo de "corpo físico". Nossos corpos, por si mesmos, não são maus, visto que Deus nos criou como seres físicos e tornou-se, ele mesmo, um ser huma­no. A carne, por conseguinte, refere-se à natureza peca­minosa, o inteiro caráter decaído do homem.
    Antes de sermos regenerados, vivemos exclusiva­mente na carne e pela carne. Nossa conduta segue as con­cupiscências da carne. Isso refere-se não exclusivamente aos apetites físicos ou sexuais, mas a um padrão de todos os desejos pecaminosos.
    Paulo coroa essa acusação universal de nosso esti­lo de vida decaído, ao acrescentar: "E éramos, por natu­reza, filhos da ira, como também os demais" (2.3). Quando Paulo diz "por natureza", ele se referia ao nosso estado, com o qual entramos neste mundo. O nascimento biológi­co é o nascimento natural. A regeneração é um nascimen­to sobrenatural. Os homens não foram originalmente cri­ados como filhos da ira. A natureza humana original não era uma natureza decaída. Desde a queda de Adão e Eva no pecado, entretanto, a palavra natural refere-se ao nos­so estado de pecaminosidade inata.
    Cada criança que nasce neste mundo entra em um estado corrupto. Davi declarou: "Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmos 51.5). Todos já nascemos espiritualmente mortos. Todos já nas­cemos mortos em delitos e pecados. Na teologia chama­mos essa condição pecaminosa inerente de pecado origi­nal. O pecado original não se refere ao primeiro pecado de Adão e Eva; refere-se às conseqüências desse primeiro pecado, com a transmissão de uma natureza corrompida à inteira raça humana.
    Somos, por natureza, "filhos da ira". Quão dife­rente isso soa da noção socialmente aceitável de que so­mos todos, naturalmente, filhos de Deus! Essa idéia equi­vocada é, ao mesmo tempo, milenar e generalizada! É uma falsidade que adquire credibilidade por sua repetição freqüente. Quando uma mentira é repetida por vezes sufi­cientes, as pessoas começam a crer nela.
    A mentira que consiste em dizermos que, por na­tureza, somos filhos de Deus, é uma mentira que deixava chocado o Senhor Jesus. Jesus foi forçado a combater essa noção e refutá-la em seus debates com os fariseus. Os fariseus se iraram diante das críticas feitas pelo Se­nhor Jesus e disseram:

    Nós não somos bastardos; temos um pai que é Deus. Re­plicou-lhes Jesus: Se Deus fosse de fato vosso pai, certa­mente me havíeis de amar; porque eu vim de Deus e aqui estou; pois não vim de moto próprio, mas ele me enviou. Qual a razão por que não compreendeis a minha lingua­gem? É porque sois incapazes de ouvir a minha palavra. Vós sois do diabo, que é vosso pai, e quereis satisfazer-Ihe aos desejos. Ele foi homicida desde o princípio e ja­mais se firmou na verdade, porque nele não há verdade. Quando ele profere a mentira, fala do que lhe é próprio, porque é mentiroso e pai da mentira. Mas, porque eu digo a verdade, não me credes. Quem dentre vós me con­vence de pecado ? Se vos digo a verdade, porque razão não me credes ? Quem é de Deus ouve as palavras de Deus; por isso não me dais ouvidos, porque não sois de Deus (João 8.41-47).

    Embora a Bíblia reconheça que Deus é o Pai de todos os homens no sentido de ser ele o Criador de todos os homens, há um sentido especial segundo o qual a pa­ternidade de Deus é definida não em termos biológicos, mas em termos de ética. Obediência é a palavra operativa. De acordo com o ponto de vista da Bíblia, nosso pai é aquele a quem obedecemos. Esse relacionamento é esta­belecido não por meio de laços biológicos, mas por uma obediência voluntária.
    Visto que os fariseus obedeciam a Satanás, e não a Deus, disse Jesus a respeito deles: "Vós sois do diabo, que é o vosso pai" (João 8.44).
    No segundo capítulo da epístola aos Efésios, Pau­lo fala tanto dos "filhos da desobediência" (vs. 2) quanto dos "filhos da ira" (vs. 3). Essas frases descrevem todos nós, em nosso estado natural e sem regeneração.
    Quando Paulo terminou sua descrição sobre nosso estado não-regenerado, abrupta e gloriosamente passou a uma doxologia que louva a Deus por sua misericórdia. A palavra de transição é a palavra simples da qual nossos destinos eternos dependem. Talvez seja a mais gloriosa palavra das Escrituras, a palavra simples que cristaliza a essência mesma do evangelho. Trata-se da palavra mas. Essa minúscula conjunção muda a atitude da passagem inteira. Ela é o elo entre o natural e o sobrenatural, entre a degeneração e a regeneração:

    Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do gran­de amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, no deu vida juntamente com Cristo —pela graça sois salvos, e juntamente com ele nos ressuscitou e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar nos séculos vindouros a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós, é dom de Deus; não de obras, para que nin­guém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cris­to Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão pre­parou para que andássemos nelas (Efésios 2.4-10).