Dá-me entendimento, e guardarei a tua lei; de todo o coração a cumprirei.
SALMO 119.34
Todos os cristãos têm o direito e o dever não somente de aprender por meio da herança da fé recebida da igreja, mas também de interpretar a Escritura por si mesmos. A igreja de Roma desconfia disto, alegando que os indivíduos facilmente interpretam mal as Escrituras. Isto é verdade; porém, as regras seguintes, fielmente observadas, ajudarão a evitar que isso aconteça.
Cada livro da Bíblia é uma composição humana, e embora deva sempre ser acatado como Palavra de Deus, sua interpretação deve começar a partir do caráter humano. Portanto, a alegorização, que desrespeita o sentido expresso do escritor humano, jamais é apropriada.
Cada livro foi escrito não em linguagem cifrada e, sim, de forma que possa ser compreendido pelo leitor, a quem se destina. Isto é verdade mesmo nos livros que empregam simbolismo: Daniel, Zacarias e Apocalipse. O ponto central da mensagem é sempre claro, ainda que os detalhes sejam um tanto obscuros. Assim, quando compreendemos as palavras empregadas, o fundo histórico e a formação cultural do escritor e de seus leitores, estamos aptos a apreender as idéias transmitidas. A compreensão espiritual —.isto é, o discernimento da realidade de Deus, seus caminhos para a humanidade, sua vontade presente, e nosso próprio relaciona- mento com Ele agora e para o futuro — não nos alcançarão, contudo, pelo texto, até que o véu seja removido de nossos corações e sejamos capazes de compartilhar o próprio sentimento do escritor para conhecer, agradar e honrar a Deus (2 Co 3.16; 1 Co 2.14). Impõe-se aqui a necessidade da oração, para que o Espírito Santo possa gerar em nós esse sentimento e mostrar-nos Deus no texto. (Ver SI 119.18,19,26, 27,33,34,73,125,144,169; Ef 1.17-19; 3.16-19.)
Cada livro teve seu lugar na progressão da revelação da graça de Deus, iniciada no Éden e atingindo seu clímax em Jesus Cristo, no Pentecoste e no Novo Testamento apostólico. Esse lugar deve estar na mente do leitor quando estudar o texto. Os Salmos, por exemplo, moldam o coração piedoso em cada época, mas expressam suas preces e louvores em termos de realidades típicas (reis terrestres, reinos, saúde, riqueza, guerra, vida longa), que circunscrevem a vida de graça na era pré-cristã.
Cada livro originou-se da mesma mente divina, por isso o ensino dos sessenta e seis livros da Bíblia é complementar e auto-consistente. Se, apesar disso, não pudermos vê-lo assim, a falta está em nós, não na Escritura. E certo que a Escritura nunca se contradiz em parte alguma; antes, uma passagem fundamenta a outra. Este sólido princípio de interpretar a Escritura pela Escritura é, às vezes, chamado a analogia da Escritura, ou a analogia da fé.
Cada livro demonstra a imutável verdade acerca de Deus, da humanidade, da piedade e da impiedade, aplicada a situações particulares e ilustrada por elas, em que indivíduos e grupos se encontram. O estágio final na interpretação bíblica é reaplicar essas verdades a nossas situações pessoais de vida; este é o meio para discernir o que Deus na Escritura está nos dizendo neste momento. Exemplos de tal reaplicação são a descoberta feita por Josias da ira de Deus contra Judá pela falha em observar sua lei (2 Rs 22.8-13), o argumento de Jesus sobre Gênesis 2.24 (Mt 19.4-6), e o uso de Paulo de Gênesis 15.6 e do Salmo 32.1,2 para mostrar a realidade da presente justiça pela fé (Rm 4.1-8).
Nenhum sentido pode ser lido na Escritura, ou atribuído a ela, que não possa, com certeza, ser extraído dela — demonstrado, ou seja, indubitavelmente expresso por um ou mais de um escritor humano.
Cuidadosa e devotada observância destas regras é a marca de todo cristão "que maneja bem a palavra da verdade" (2 Tm 2.15).