Deixe-me dizer isso por
extenso. A Escritura mostra que Deus cria os seres humanos tendo em vista sua
alegria. "O fim principal do homem é glorificar a Deus e agindo assim
desfrutá-lo para sempre" (Catecismo Menor de Westminster, resposta à
pergunta 1). Alegria foi o plano de Deus para o homem desde o início. O
propósito de Deus, que nós tivéssemos prazer nele, diretamente na comunhão
direta face a face, e indiretamente pelo prazer naquilo que ele criou, se
mostra no fato de o lar terreno dado a Adão e Eva ter sido um jardim de
prazeres (o Éden) onde Deus mesmo andava na fresca da tarde.
O salmista recupera uma
sanidade espiritual que havia quase perdido quando declara: "Estou sempre
contigo; tu me seguras pela minha mão direita, tu me guias com o teu conselho e
depois me recebes na glória. Quem mais tenho eu no céu? Não há outro em quem eu
me compraza na terra... Deus é a fortaleza do meu coração e a minha herança
para sempre.... Bom é estar junto a Deus" (SI 73.23-28). O pensamento é o
mesmo encontrado em Salmos 43.4 onde Deus é chamado de "a minha grande
alegria". O Novo Testamento nos conta que nossa redenção e vida em Cristo
inverte a situação de maldição e morte que tínhamos em Adão (veja Rm5.12-19;
ICo 15.21 ss.), que Deus "tudo nos proporciona ricamente para nosso
aprazimento" (lTm 6.17), e que os santos glorificados têm prazer perpétuo
no Deus a quem perpetuamente adoram (ver Ap 7.9-17; 21.1-4; 22.1-5).
Assim parece que a
atividade salvadora vindica, restaura, e cumpre seu propósito original de alegria
para o homem que a malícia satânica e o pecado humano frustraram. Alegria para
o mundo continua sendo o alvo de Deus.
O Novo Testamento
leva-nos um passo adiante na compreen¬são disso. No Evangelho de João é
descortinado o amor e a honra mútuos que ligam Pai, Filho e Espírito Santo na
união do único Deus eterno (ver João2.16ss.; 4.34; 5.19-30; 6.38-40; 12.27ss.;
14.31; 16.13-15), e Jesus ora ao Pai pedindo que seus discípulos sejam
"um... em nós... como nós o somos: eu neles e tu em mim" (João
17.21-23). Ele afirma seu desejo para "que eles tenham o meu gozo completo
em si mesmos" (v. 13). O propósito original de Deus era que os humanos
compartilhassem a unidade alegre da Trindade; e o evangelho de Cristo, que
proclama libertação do pecado, e que se apoia na bondade providencial de Deus
(ver At 14.17; Rm 2.4), é um convite para entrar para este gozo através do
culto penitente e confiante. É no amor ao Pai e ao Filho — amor que se espelha
no amor do Filho para com o Pai — que a plenitude da alegria será finalmente
encontrada.
Mas o pecado —
auto-adoração, transgres¬são, descrença, impenitência — separa-nos da alegria
de Deus e nos expõe, ao contrário, a uma eternidade ímpia, sem Deus (ver Jo
3.16-21; Rm 1.18 - 2.16; Ap 22.11-15). Só que o convite do evangelho ainda está
de pé, e a culpa é só nossa se abraçarmos o pecado e deixarmos de conhecer a
alegria no presente e no futuro. Pare agora e pergunte-se: Conheço eu a alegria
como elemento principal, como base central, realidade constante na minha vida?
"Raramente tu vens,/Espírito do deleite", escreveu o poeta Shelley, e
não nos deve causar surpresa a experiência dele, porque ele foi um teimoso e
ardoroso defensor do ateísmo. O cristão, no entanto, descobre que, embora viver
nesse mundo decaído e desordenado nunca seja "um piquenique", contudo
poderá ser um passeio pelo "caminho da alegria" em resposta ao
chamado de Deus.