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    Desconfie de si mesmo – J. I. Packer


    Somente por meio do arrependimento constante e profundo nós, pecadores, podemos manter nossa alma com saúde.

    A saúde espiritual, como a saúde do corpo, é um dom de Deus. Mas, como a saúde do corpo, é um dom que deve ser cuidadosamente tratado, uma vez que hábitos descuidados podem danificá-la. No instante em que acordarmos para o fato de que a perdemos, talvez seja muito tarde para fazer algo a respeito. O foco da saúde da alma é a humildade, enquanto a raiz da corrupção interior é o orgulho.

    Na vida espiritual, nada permanece imóvel. Se não estivermos constantemente crescendo em humildade, estaremos prontamente aumentando e produzindo o fruto do orgulho. A humildade está no auto-conhecimento; o orgulho reflete a própria ignorância. A humildade expressa-se na desconfiança de si mesmo e na dependência consciente de Deus; o orgulho é autoconfíante e, embora possa passar pelos movimentos da humildade com alguma habilidade (pois o orgulho é um grande ator), ele é presunçoso, opinioso, tirânico, agressivo e obstinado. "A soberba precede a ruína e a altivez do espírito, a queda" (Pv 16.18).

    Assim como o quinino é o antídoto para a malária, a humildade é o antídoto para o orgulho. No sentido em que Orsino, de Shakespeare, em Twelfth Night (Décima Segunda Noite) vê a música como o alimento do amor, o arrependimento deve ser visto como o alimento da humildade. Ou, mudando o quadro, o arrependimento deve ser pensado como o exercício rotineiro que mantém a humildade, e pela humildade, a saúde da alma. "Sem cruz não haverá coroa", disse William Penn. "Sem humildade não haverá saúde e, sem arrependimento não haverá hu-mildade" é o que estou dizendo agora.

    O auto-conhecimento, no qual se enraíza o arrependimento de um cristão, vem da lei. Ele é o resultado de ter sido criado para encarar os padrões morais prescritos por Deus para nós, suas criaturas. Em Romanos 7.7-25, Paulo nos fala, primeiro, como, em sua mocidade, a lei o ensinou a reconhecer o seu próprio pecado, pondo em ação os mesmos motivos e desejos que ela proibia. "Mas eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu co¬nhecido a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás" (Rm 7.7). Então, ele nos fala como se deu esse processo em sua vida cristã, apesar de "no tocante ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus; mas vejo, nos meus membros, outra lei que, guerreando contra a lei da minha mente, me faz prisioneiro da lei do pecado que está nos meus membros" (Rm 7.22,23).

    A "lei do pecado" significa que o pecado opera como uma força motora que, irracionalmente, é anti-Deus em seu impulso. A palavra "vejo" mostra-nos como Paulo percebe a si mesmo quando, pela luz da lei que deseja guardar, ele olha para si mesmo e avalia sua real condição - em outras palavras, o momento em que ele pratica a disciplina do auto-exame. Toda vez que faz isto, ele vê que seu alcance excedeu sua compreensão, que nada que disse ou fez foi tão bom e justo como deveria ter sido e que todos os seus atos mais generosos, nobres, sábios, altruístas, puros e honrosos a Deus tinham defeitos de certa forma discerníveis. Em retrospectiva, ele sempre descobre que sua conduta poderia e deveria ter sido mais semelhante à de Cristo, e suas motivações, menos confusas. Ele sempre desco¬bre que poderia ter sido melhor do que foi.

    Esta constatação, que chama ao arrependimento constantemente renova¬do que advogo, é inquestionavelmente depressiva. Daí, o lamento agonizado de Paulo em Romanos 7.24: "Desventurado homem que sou! Quem me livrará do corpo desta morte?" No entanto, precisamos observar que esta confissão é seguida pelo grito triunfante de Romanos 7.25, uma vez que Paulo olha para a "redenção do nosso corpo", na vida futura (Rm 8.23): "Graças a Deus (que um dia, enfim, me resgatará) por Jesus Cristo, nosso Senhor".

    A presente libertação parcial do poder do pecado, que é o outro lado de sua experiência (Rm 7.5-7), o faz desejar a libertação futura e total que Deus prometera. Enquanto isso, no entanto, ele cresce para baixo em profunda humildade, enquanto se conscientiza cada vez mais do modo como o pecado que há nele ainda ameaça seu objetivo de agradar plenamente a Deus. Nisto, ele é um modelo para todos nós.