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    O Cativeiro de Satanás – J. I. Packer




    Satanás não tem qualquer poder independentemente de Deus. Satanás (ainda que, sem dúvida, ele nunca o tenha admitido) é uma ferramenta de Deus. Ao conceder a Satanás tanto poder, Deus se utiliza dele para executar o juízo divino sobre um mundo rebelde. Assim como um homem pode fazer uso de um cão bravo que o odeia, para desviar de sua propriedade os invasores, assim Deus faz uso de Satanás para punir aqueles que têm pecado. Satanás e os demônios estão num estado de aprisionamento, e isso desde a sua queda; eles estão guardados "sob trevas, em algemas eternas, para o juízo do grande dia" (Jd 6; Mt 25.41; Ap 20.10). Todos estão em cadeias. Não possuem maior liberdade de ação do que aquela que Deus lhes concede; e, em tudo quanto fazem, como disse Calvino, arrastam consigo as suas cadeias. Satanás gosta de pensar e quer que outros pensem que ele é o verdadeiro governante deste mundo (cf. Lc 4.6). Mas, a verdade é que ele não pode exercer qualquer poder além dos limites colocados pelo Senhor (cf. Jó 1.12; 2.6). Deus o mantém acorrentado; talvez se trate de uma corrente muito longa, mas é uma corrente real.

    Quando o Filho de Deus veio a este mundo "para destruir as obras do diabo" (1 Jo 3.8), Satanás empregou todos os meios para frustrá-Lo, mas falhou. Em tudo, Cristo foi vencedor. Não só no início do seu ministério (Mt 4.1 ss.), mas ao longo do mesmo (Lc 4.13; 22.28), Satanás tentou-0 para desviá-Lo, de uma maneira ou de outra, da vontade do Pai (cf. Mt 16.22, 23). Jesus, porém, jamais caiu nas armadilhas de Satanás; nem uma vez Ele pecou (Hb 4.15; 1 Pe 2.22). Ele repeliu todos os ataques do inimigo e prosseguiu triunfantemente para tirar de Satanás uma grande parte do domínio que ele até então havia gozado. Jesus fez isso, primeiro mediante suas curas e exorcismos (Lc 11.17-22; 13.16), e, finalmente, por meio de suas orações (Lc 22.31, 32; Jo 17.15) e de sua morte expiatória. Isso garantiu a salvação de todo aquele imenso grupo de pessoas a quem Ele veio redimir (Jo 12.31, 32). Assim, pois, o Calvário foi uma vitória decisiva sobre Satanás e suas hostes (Cl 2.15), o que, em consequência, garantiu o destronamento do diabo sobre inúmeras vidas. A cruz garantiu que um número incalculável de pessoas seria libertado, conforme lemos em Colossenses 1.13-14: "Ele nos libertou do império das trevas e nos transportou para o reino do Filho do seu amor, no qual temos a redenção, a remissão dos pecados". Isso vem a acontecer por meio da pregação do evangelho, que convida os homens a voltarem-se de Satanás para Deus (At 26.18), e por meio da obra cooperante de Cristo no céu, pela qual Ele move os homens à resposta da fé e ao arrependimento (At 5.31). Satanás resiste o tempo todo e a cada passo do caminho, mas não pode impedir esses acontecimentos. Ele é, sem dúvida, um inimigo derrotado.

    A Guerra Santa

    O homem não-crente é um cativo de Satanás, que o domina como quer. Porém, se esse homem tornar-se crente, o diabo passará a vê-lo como um prisioneiro que fugiu; e, o diabo luta contra ele, procurando recapturá-lo. Ele tenta (submete a provas) o crente com intuitos maliciosos, esperando descobrir uma fraqueza e induzi-lo a um curso de ação que, finalmente, o reconduzirá à prisão da qual Cristo o libertou. Satanás busca "entrar" no crente, tal como entrou em Judas Iscariotes (Lc 22.3; Jo 13.27), isto é, procura recuperar o controle sobre o crente, para assim torná-lo, uma vez mais, um "filho do diabo" (At 13.10; 1 Jo 3.10). Todas as tentações de Satanás têm, ao final, isto em mira — elas são numerosas placas que dizem "bem-vindo", colocadas ao longo do caminho largo, que conduz à perdição.

    Os Instrumentos de Satanás
    Como é que Satanás tenta? Mediante a sua "astúcia", isto é, seu "engano" (Ef 6.11; cf. 2 Co 11.3). Normalmente, ele se mantém fora de vista, manipulando "o mundo" (estímulos externos) e "a carne" (desejos desordenados dentro de nós) como seus instrumentos de sedução. Algumas vezes, ele opera através de desejos e necessidades aparentemente inocentes (cf. Gn 3.6; Lc 4.2, 3), ou de conselhos bem intencionados de nossos amigos (cf. Mt 16.22,23). Não há limites para a sutileza de Satanás. Ele tem seus próprios servos, até mesmo na igreja (Mt 13.38), que fazem o papel de pastores e teólogos (2 Co 11.13-15). Claro, eles nem suspeitam que seu ensino e liderança são perversões satânicas do cristianismo, mas é isso que eles fazem, e Satanás faz intenso uso deles.' 'Quando Satanás sobe a um púlpito, ou a uma cadeira de teologia, e pretende ensinar cristianismo, quando, na realidade, o está corrompendo... pretende ensinar Introdução Bíblica, quando na realidade está deixando a impressão que a Bíblia é um livro que nem é digno de ser exposto — cuidado com ele; ele está na mais perigosa de suas obras" (R. A. Torrey, What the Bible Teaches — O que a Bíblia Ensina — p. 517). Crenças erradas acerca de Deus (por exemplo, ressentimento e desespero, cf. 2 Co 12.7), conduta condenável aos olhos do Senhor (cf. 1 Co 7.5) — essas são as finalidades táticas pelas quais Satanás trabalha, e ele dispõe de muitas maneiras de nos conduzir a elas.

    Sejamos claros quanto a isso. Satanás não tem propósitos construtivos; suas táticas são simplesmente para contrariar a Deus e destruir os homens. Da mesma forma que o lema de David Livingstone era: "Para qualquer lugar, contanto que seja para a frente", assim o lema de Satanás é: "Qualquer coisa, contanto que fjeja contra Deus". O diabo está sempre procurando produzir incredulidade, orgulho, irrealidade, falsas esperanças, confusão mental e desobediência, como fez no jardim do Éden. E, se ele não puder fazer isso diretamente, então ele se aplica em fazê-lo indiretamente, fomentando o desequilíbrio e a parcialidade. Viver a vida cristã é como tocar uma peça musical ao piano': se alguém toca nas teclas erradas, fracassa; se alguém toca nas teclas certas, mas erra quanto ao tempo, ritmo, volume ou interpretação, também fracassa; somente quando as notas e o estilo estão corretos é que a execução é bem-sucedida.

    Satanás tanto procura prender-nos na armadilha, levando-nos a fazer aquilo que é formalmente errado, como procura distorcer aquilo que é formalmente correto, em nossos aros e em nossos hábitos, até ao ponto de torná-los errados em seus efeitos. Alguns exemplos dessa forma de distorção são os seguintes: pensamento sem ação, amor sem sabedoria, amor à verdade sem amor ao próximo, ou vice-versa, zelo em meio ao erro, ortodoxia junto com injustiça, atitude conscienciosa junto com morbidade e desespero, seletividade nos interesses pessoais em lugar daquilo que é certo ou errado. Se formos vigilantes contra Satanás em um ponto da muralha de nosso viver, ele tentará rompê-la em outro ponto, esperando por um momento quando nos sentiremos seguros e felizes, e quando, provavelmente, nossas defesas estarão fracas. Assim prosseguem os seus ataques, o dia inteiro e todos os dias.

    As Nossas Armas

    Que segurança temos contra os seus ataques? Como podemos evitar cair vitimados diante deles? Conforme Paulo efetivamente diz, a única esperança consiste em tomarmos "toda a armadura de Deus": o cinto da verdade (o evangelho bíblico); a couraça da justiça (a integridade de uma consciência honesta); a firmeza da postura, provida pelo evangelho da paz (a certeza de que estamos reconciliados com Deus); o escudo da fé (a confiança ativa em Cristo e em suas promessas); o capacete da salvação (a confiança no poder guardador ou conservador de Cristo, agora e para sempre); e também "a espada do Espírito, que é a palavra de Deus", a arma com a qual nosso Senhor derrotou Satanás no deserto. Tomemos essas armas, diz Paulo, "com toda oração e súplica, orando em todo o tempo, no Espírito", e não precisaremos temer os ataques do diabo. Seremos capazes de reconhecê-los e de resistir-lhes (Ef 6.11-18).

    Não precisamos temer o resultado deste conflito. Pois, em primeiro lugar, Deus está sempre invalidando as tentações de Satanás. Deus nunca permitirá que sejamos tentados acima das nossas forças (1 Co 10.13). De fato, Deus nos expõe à tentação somente a fim de nos fortalecer (1 Pe 5.6-10). E, Ele tem prometido esmagar a Satanás, sob os pés dos seus servos, no devido tempo (Rm 16.20).

    Então, em segundo lugar, Satanás sempre foge quando lhe resistimos. "Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós" (Tg 4.7). Oremos e lutemos; peçamos ao Senhor que se poste ao nosso lado e digamos a Satanás que se afaste. E, pelo menos naquele momento, ele terá de afastar-se. É notável que, na armadura cristã, Paulo nada tenha incluído para nos proteger as costas! Não temos promessa de proteção, se fugirmos. A vitória nos é garantida sempre que ficarmos firmes. Satanás é um adversário derrotado e condenado; portanto, rresisti-lhe firmes na fé...

    Ora, o Deus de toda a graça, que em Cristo vos chamou à sua eterna glória, depois de terdes sofrido por um pouco, Ele mesmo vos há de aperfeiçoar, firmar, fortificar e fundamentar. A Ele seja o domínio, pelos séculos dos séculos. Amém"
    (1 Pe 5.9-11).