O que se requer não é
um conserto ou uma alteração, uma pequena limpeza e purificação, um pouco de
pintura e remendo, uma folha nova no caderno da vida. É a entrada de algo
totalmente novo, o semear em nós de uma nova natureza, de um novo ser, de um
novo princípio, de uma nova mente; só isso, e nada menos que isso, poderá vir
de encontro às necessidades da alma do homem. Não precisamos apenas de pele
nova; precisamos de um coração novo.
Cortar um bloco de
mármore e esculpir dele uma nobre estátua, transformar um vasto deserto em um
jardim de flores, derreter uma barra de ferro e forjá-la em molas de relógio -
todas essas são mudanças imensas. Contudo, nada são em comparação com a mudança
que todo filho de Adão requer, pois aquelas são meramente o mesmo material sob
nova forma, a mesma substância noutro formato. Mas o homem requer ser transformado
em aquilo que antes ele não possuía. Precisa de uma transformação tão grande
quanto a ressurreição dos mortos; precisa tornar-se nova criatura. As coisas
antigas terão que passar, e tudo terá que ser novo. Precisa nascer de novo -
nascer do alto, de Deus. O nascimento natural não é mais necessário à vida do
corpo do que o nascimento espiritual é necessário à vida da alma (ver 2 Cor.
5.17; João 3.3).
Bem sei que são
palavras duras. Sei que os filhos do mundo não gostam de ouvir que têm de
nascer novamente. Isso espicaça suas consciências; faz com que se sintam mais
longe do céu do que estão dispostos a admitir. Parece uma porta estreita diante
da qual estão indispostos a se curvar para entrar, e eles teriam prazer em
alargar tal porta, ou subir por outro caminho. Mas não ouso ceder quanto a essa
questão. Não posso iludi-las nesta questão, dizendo que as pessoas devem apenas
arrepender-se um pouco, despertar algum dom que possuam em seu interior, a fim
de se tornarem cristãos genuínos. Não ouso empregar outra forma de linguagem
que não a da própria Bíblia; digo, portanto, nas palavras que foram escritas
para o nosso aprendizado: "Todos nós precisamos nascer de novo; todos
estamos naturalmente mortos, e carecemos de revivificação".
Se pudéssemos ver
Manasses, rei de Judá, em certa época enchendo Jerusalém de ídolos, matando
seus filhos em honra a falsos deuses, e depois purificando o templo, acabando
com a idolatria e vivendo vida piedosa; se pudéssemos ver Zaqueu, o publicano
de Jericó, em certa época enganando, lesando e cobiçosamente levando o que não
lhe pertencia, e depois, seguindo a Cristo, dando metade dos seus bens aos
pobres; se pudéssemos ver os servos da casa de Nero, em certa época conformando-se
com os modos pérfidos de seu senhor, e depois, sendo de um só coração e mente
com o apóstolo Paulo; se pudéssemos ver o antigo pai da igreja, Agostinho, em
certa época fornicador, e noutra, andando junto a Deus; se pudéssemos ver o
reformador Latimer, num certo tempo pregando sinceramente contra a verdade que
se encontra em Jesus, e depois, gastando-se e deixando-se desgastar, até à
morte, na causa de Cristo - se tivéssemos visto de perto qualquer dessas
maravilhosas mudanças, pergunto a cada pessoa sensível; O que diríamos?
Ficaríamos satisfeitos em chamar tais transformações apenas de emendas ou
alterações? Ficaríamos contentes em dizer apenas que Agostinho "reformou
sua conduta", e que Latimer "começou uma nova página de sua
vida"? Se disséssemos apenas isso, as próprias pedras clamariam.
Em todos esses casos,
nada menos que um novo nascimento ocorreu, uma ressurreição da natureza humana,
uma vivificação dos mortos. São estas as palavras certas. Outros termos seriam
fracos, pobres, mendicantes, não-biblicos, e estariam aquém da verdade.
Não posso esquivar-me
de dizer claramente que todos nós precisamos da mesma espécie de mudança, se tivermos
de ser salvos. A diferença entre nós e qualquer um dos que citei é muito menor
do que parece. Tirando a casca exterior, encontraremos a mesma natureza em nós
e neles - uma natureza iníqua, que requer mudança total. A face da terra é
muito diferente nos diversos lugares, de climas diversos. Mas o coração da
terra, creio eu, é o mesmo em toda parte. Não importa onde formos, sempre
encontraremos o granito ou outras rochas primitivas, sob nossos pés, se nos
aprofundarmos o suficiente. Dá-se o mesmo com os corações humanos. Seus
costumes, suas cores, suas maneiras e suas leis poderão ser totalmente
diferentes uns dos outros, mas o homem interior é sempre o mesmo. Seus corações
são todos iguais no fundo - pedregosos, duros, ímpios, todos carentes de uma transformação
total. O brasileiro e o aborígene de Nova Guiné se encontram no mesmo nível
nesta questão: ambos estão mortos por natureza, ambos precisam reviver. Ambos
são filhos do mesmo pai Adão que caiu pelo pecado, e ambos precisam nascer de
novo e serem feitos filhos de Deus.
Não importa a parte do
globo em que vivamos, nossos olhos precisam ser abertos; por natureza, não
vemos a nossa pecaminosidade, a nossa culpa e o perigo que corremos. Não
importa a nação a que pertençamos, nossa compreensão tem que ser iluminada; por
nós mesmos conhecemos pouco ou nada a respeito do plano de salvação; como os
construtores de Babel, planejamos chegar ao céu pelo nosso próprio caminho. Não
importa a que igreja pertençamos, nossa vontade terá que ser inclinada na direção
certa; por natureza, nunca escolhemos as coisas que nos dão a paz; por
natureza, jamais veríamos a Cristo. Não importa a posição que ocupemos na vida,
nossos afetos têm que ser voltados para as coisas de cima; naturalmente, só
vemos as coisas terrenas, sensuais, efêmeras e vãs. O orgulho tem de dar lugar
à humildade, a auto-justificação tem de dar lugar à auto-condenação; o descuido
à seriedade, o mundanismo à santificação, a incredulidade à fé. 0 domínio de
Satanás deve ser eliminado em nós, e o reino de Deus edificado. O eu precisa
ser crucificado, e Cristo deve reinar. Enquanto essas coisas não ocorrerem,
estaremos mortos como as pedras. Quando essas coisas começam a ocorrer, mas não
antes, começamos a viver.