Deus exerce sobre seus
eleitos uma influência ou poder vivificante.
Por natureza, os homens
estão espiritualmente mortos, mortos em seus delitos e pecados, e sua primeira
necessidade é vida espiritual, porque "se alguém não nascer de novo, não
pode ver o reino de Deus" (Jo 3.3). Por intermédio do novo nascimento,
Deus faz que passemos da morte para a vida (Jo 5.24). Ele concede-nos sua
própria natureza (2 Pe 1.4). Liberta-nos do império das trevas e nos transporta
para o reino do seu Filho amado (Gl 1.13). Ora, éramos manifesta-mente
incapazes de fazer isso por nós mesmos, porque "éramos fracos" (Rm
5.6). Por isso está escrito: "Somos feitura dele, criados em Cristo
Jesus" (Ef 2.10).
Pelo novo nascimento
tornamo-nos co-participantes da natureza divina: um princípio, uma
"semente", uma vida que nasce "do Espírito" e que, por isso
mesmo, "é espírito"; e, sendo nascida do Espírito Santo, é santa. Sem
essa nova natureza, divina e santa, que recebemos quando nascemos de novo, é
inteiramente impossível a qualquer homem gerar um impulso espiritual, formar um
conceito espiritual, ter pensamentos espirituais, entender realidades
espirituais e, muito menos ainda, dedicar-se a obras espirituais. Sem a
santificação, ninguém verá o Senhor (Hb 12.14).
No entanto, o homem
natural não deseja a santidade, não querendo, portanto, a provisão feita por
Deus. Suplicaria, pois, o homem, e se esforçaria por aquilo que não lhe agrada?
Certamente que não. Se, no entanto, o homem verdadeiramente segue aquilo que,
por natureza, odeia profundamente, e se agora ama Aquele que antes odiava, é
porque em seu interior operou-se uma milagrosa modificação; é porque um poder
externo operou sobre ele; uma natureza inteiramente diversa daquela que possuía
lhe foi implantada. Por isso está escrito: "Assim, se alguém está em
Cristo, é nova criatura; as cousas antigas já passaram; eis que se fizeram
novas" (2 Co 5.17). O indivíduo que acabamos de descrever passou da morte
para a vida, voltou-se das trevas para a luz e da potestade de Satanás para
Deus (At 26.18). Não há outro modo de explicar tão grande mudança.
O novo nascimento
consiste em muito mais do que somente derramar algumas lágrimas de remorso
temporário por causa do pecado. É muito mais do que mudar o curso da vida; é
mais do que substituir maus hábitos por bons costumes. É algo diferente do mero
prezar e praticar ideais nobres. Vai infinitamente além do ato de vir à frente
e apertar a mão de algum evangelista popular, assinar um cartão de compromisso
e filiar-se a uma igreja. O novo nascimento não é apenas uma renovação de boas
intenções e virar uma nova folha; é antes o início e a recepção de uma nova
vida. Não é uma simples reforma; é uma completa transformação. Em poucas
palavras, o novo nascimento é um milagre, o resultado da operação sobrenatural
de Deus. É algo radical, revolucionário, duradouro.
Quanto à ordem
cronológica, esta é a primeira coisa que Deus opera em seus eleitos. Toma
aqueles que estão espiritualmente mortos e os vivifica para andarem em novidade
de vida. Deus toma alguém que foi concebido em pecado e moldado em iniquidade e
o conforma à imagem do seu Filho. Apanha um prisioneiro do diabo e o transforma
em um membro da família da fé. Recolhe um mendigo e faz dele um herdeiro
juntamente com Cristo. Chega a alguém que está pleno de inimizade contra o
Senhor e lhe dá um coração novo, que transborda de amor a Deus. Inclina-se para
alguém que é rebelde por natureza e opera nele tanto o querer como o efetuar
segundo a sua boa vontade. Pelo seu irresistível poder, Ele transforma o
pecador em um santo, o inimigo em um amigo, o escravo do diabo em um filho de
Deus. Deveras nos sentimos movidos a dizer:
Meu Deus, quando elevo
minha alma E toda a tua graça contemplo, Deslumbra-me a visão e sucumbo De
amor, reverência e louvor
Deus exerce sobre seus
eleitos uma influência ou poder dinamizante.
O apóstolo orou a Deus,
em favor dos santos em Éfeso, para que fossem iluminados os olhos do
entendimento deles, a fim de que, entre outras coisas, soubessem "qual a
suprema grandeza do seu poder para com os que cremos..." (Ef 1.18,19) e
para que fossem "fortalecidos com poder, mediante o seu Espírito, no homem
interior" (Ef 3.16). É dessa maneira que os filhos de Deus recebem a
capacidade de combater o bom combate da fé e de batalhar contra as forças do
adversário que constante e incansavelmente guerreia contra eles. Em si mesmos,
não têm força alguma; são apenas "ovelhas". A ovelha é um dos mais
indefesos animais que existe; mas a promessa é firme: "Faz forte ao
cansado e multiplica as forças ao que não tem nenhum vigor" (Is 40.29).
É esse poder
dinamizante que Deus exerce sobre os justos; e, em seu íntimo, são capacitados
a servi-Lo de maneira aceitável. Disse o profeta: "Eu, porém, estou cheio
do poder do Espírito do SENHOR" (Mq 3.8). E o Senhor disse aos seus
apóstolos: "Recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo"
(At 1.8); e assim sucedeu, porque lemos subsequentemente acerca daqueles mesmos
homens: "Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do
Senhor Jesus, e em todos eles havia abundante graça" (At 4.33). O mesmo
aconteceu ao apóstolo Paulo: "A minha palavra e a minha pregação não
consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em demonstração do
Espírito e de poder" (1 Co 2.4). Mas o escopo desse poder não se limita ao
serviço, pois lemos em 2 Pedro 1.3: "Visto como pelo seu divino poder nos
têm sido doadas todas as cousas que conduzem à vida e à piedade, pelo
conhecimento completo daquele que nos chamou para a sua própria glória e
virtude". Por isso, as várias graças do caráter cristão, "amor,
alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão,
domínio próprio" são atribuídas diretamente a Deus, sendo chamadas de
"o fruto do Espírito" (Gl 5.22; comparar com 2 Co 8.16).