"Por um só homem
entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte, assim também a morte passou a
todos os homens, porque todos pecaram" (Rm5.12).
Adão era um
representante: enquanto ele estivesse em pé, nós estaríamos; se ele caísse, nós
cairíamos. Nós pecamos em Adão, assim está no texto: "... porque todos
pecaram".
Adão era o cabeça da
humanidade e, uma vez culpado, nós somos culpados. Como os filhos de um traidor
têm o sangue manchado. Agostinho diz: "Todos nós pecamos em Adão, pois
somos parte de Adão".
Pode-se levantar a
seguinte pergunta: Se quando Adão caiu, toda a humanidade caiu com ele, por que
quando um anjo caiu, nem todos caíram?
O caso não é o mesmo.
Os anjos não tinham relação uns com os outros. São chamados de estrelas da
manhã: as estrelas não dependem umas das outras. Conosco, entretanto, foi
diferente: éramos da carne de Adão, como um filho é parte do pai, éramos parte
de Adão. Portanto, quando ele pecou, nós pecamos.
Ou então perguntamos:
Como o pecado de Adão se torna nosso pecado? Respondemos com as seguintes
afirmações:
a. O pecado de Adão é nosso por imputação
Os pelagianos do
passado sustentavam que a transgressão de Adão é danosa para a posteridade
somente por imitação, não por imputação. Porém, o texto "em quem todos
pecaram" refuta essa idéia.
b. O pecado de Adão é nosso por propagação
Não somente a culpa do
pecado de Adão nos é imputada, mas, também, a depravação e a corrupção de sua
natureza nos são transmitidas, como um veneno é levado da fonte à cisterna.
Isso é o que chamamos de pecado original. "Em pecado me concebeu minha
mãe" (SI 51.5). A lepra de Adão se apega a nós como a lepra de Naamã se
apegou em Geazi (2Rs 5.27). Essa concupiscência original é chamada de:
i. O "velho
homem" (Ef 4.22). Diz-se velho homem não por ser fraco, como geralmente
são os idosos, mas por causa de sua longa permanência e por sua deformidade. Na
idade avançada, a beleza se perde. Da mesma maneira, o pecado original é o
velho homem, pois ele fez murchar a nossa beleza e nos faz deformados aos olhos
de Deus.
ii. A "lei do
pecado" (Rm 7.25). O pecado original tem o poder da lei que vincula a
vítima à sujeição. A necessidade dos homens faz o que o pecado quer quando os
homens têm ambos, o amor do pecado para atraí-los e a lei do pecado para
forçá-los, assim precisam, necessariamente, fazer o que o pecado lhes reserva.
1. No pecado original
há algo exclusivo e algo absoluto
a. Algo exclusivo
A falta de justiça que
deveria ser nossa. Perdemos aquela excelente e aprimorada estrutura da alma que
um dia tivemos. O pecado eliminou a estabilidade da pureza original, sobre a
qual repousava a nossa força.
b. Algo absoluto
O pecado original
contaminou e corrompeu nossa natureza virginal. O envenenamento dos mananciais
causou morte entre os romanos, o pecado original envenenou o manancial de nossa
natureza, tornou beleza em lepra, transformou o brilho límpido de nossa alma em
escuridão.
O pecado original se
tornou co-natural para nós. O homem natural não pode fazer outra coisa senão
pecar. Embora não tenha sido dado a ele esse direito ou maus exemplos para
serem imitados, ainda assim há no homem um princípio inato e não pode se abster
de pecar (2Pe 2.14). Aquele que não pode parar de pecar é como um cavalo coxo
que não pode trotar sem mancar. No pecado original há:
i. Uma aversão ao bem.
O homem tem o desejo de ser feliz, ainda que se oponha ao que promoveria sua
felicidade. Ele tem repugnância à santidade, odeia ser corrigido. Desde que
caímos da presença de Deus, não temos nos preocupado em voltar para ele.
ii. Uma inclinação para
o mal. Se, como dizem os seguidores de Pelágio,68 há tanta bondade em nós desde
a queda, por que não há tanta propensão para o bem como há para o mal? Nossa
experiência demonstra que a inclinação natural da alma é para o que é mau. O
próprio ímpio, à luz da natureza, percebeu isso. Hierocles, o filósofo, disse:
"pecar é algo que foi enxertado em nós pela natureza". Os homens
brincam com o pecado como brincam com o mel na boca. Eles bebem "a
iniquidade como água" (Jó 15.16). Como um hidrópico, que tem sede e nunca
se satisfaz, eles têm em si uma espécie de seca que os faz sedentos pelo pecado.
Ainda que estejam
cansados de pecar, continuam pecando: "... se entregaram... para cometerem
toda sorte de impureza" (Ef 4.19). Como o homem que continua seu jogo,
mesmo estando cansado, tem prazer nele e não pode deixá-lo (Jr 9.5). Embora
Deus tenha colocado tantas espadas flamejantes no caminho para deter os homens
em seu pecado, eles permanecem nele, demonstrando que grande apetite eles têm
pelo fruto proibido.