1.
O mais comum é: muitos são chamados, só que nunca são
totalmente convertidos. Foi a operação comum do Espírito que fez Felix tremer,
o qual trouxe Agripa a um passo de se tornar cristão e fez com que Herodes
realizasse muitas coisas. Multidões de não regenerados têm sentido as águas
agitarem-se, o Espírito Santo movendo-os à conversão, e têm prontamente
aceitado Sua ajuda e assistência, e talvez, por um tempo, tenham sido guiados
por Ele. Todavia, posteriormente têm se recusado a deixar a sensualidade ou a
vaidade, as quais Ele exigiu que abandonassem. Eles não transformaram a sua
preguiça espiritual em séria diligência pelo interesse de suas almas imortais,
e assim desprezando Sua operação, desconsiderando Sua ajuda, eles fazem com que
o Espírito Se afaste entristecido, Ele que veio com amor agir em suas vidas.
2.
Há um chamado do Espírito que é mais especial e
eficaz, e quando Ele os move a voltar-se para Deus, os pecadores são
persuadidos, não parcialmente, mas completamente. Agora observemos o método do
Espírito ao operar naqueles que são realmente convertidos.
A. Aqueles os quais o
Espírito chama efetivamente, Ele os convence do pecado (João 16:8). Ele lhes
apresenta a lei, e Ele mesmo é o intérprete dessa lei. E pela Sua interpretação
são levados a ver que a lei proíbe não somente a manifestação do pecado nos
lábios e na vida, e sim também a concupiscência interior e a manifestação do
pecado no coração. E quando vem a lei, oh, quão abundante é a ofensa! O
Espírito mostra suas iniquidades em ordem diante de seus olhos e os mantém
abertos para enxergá-las. O livro da consciência é aberto, e quantas
transgressões estão ali registradas? E se, ao mergulharmos neste livro, muitas
abominações aparecem, quão inumerável é a multidão que está no livro memorial
de Deus? Embora os pecadores não considerem o fato, Deus ainda Se lembra de
todas as corrupções deles (Os. 7:2). O justo, porém, se conscientiza disso.
"Males sem número me tem rodeado", diz Davi, "minhas iniquidades
me prenderam" (Sal. 40:12). Quando ele se deita elas se deitam. Quando ele
se levanta elas se levantam com ele. Onde quer que vá ou o que quer que faça
elas continuamente o perseguem e o assediam.
Quão hediondo e
horrendo o pecado parecerá ao pecador quando todas as justificativas e
desculpas forem silenciadas, quando a lente colorida for retirada e este for
visto por ele em sua aparência natural! Bebedice, impureza, blasfêmias, gestos
profanos e cobiça pelo mundo não mais serão vistos como sem importância. Esse
modo de viver antes parecia não ter nada de perigoso nele, pelo contrário era
cheio de delícias e prazeres. Contudo, após a convicção, sua decepcionante e
condenável natureza será tão evidente como a luz do sol ao meio dia.
E ainda que o pecador
não tenha sido contaminado com as mais pesadas contaminações do mundo, ainda
assim será necessário mos trar-lhe suficientemente a natureza do pecado, a fim
de levá-lo a concluir que é um miserável e está perdido. Ora, ora! Todas as
suas omissões ou suas chacotas contra o Deus zeloso, cometidas de maneira
insensível, seriam consideradas como nada? Acaso seria nada seu desperdício de
tempo e sua desconsideração para com a eternidade? O deleitar-se nas coisas
criadas, nas vaidades e prazeres do mundo, e o amar a estes mais do que a Deus,
a Cristo e a glória, seria um assunto de menor importância? Tais pecados são
hediondos e são imputados até mesmo às pessoas mais civilizadas.
Esta convicção do
Espírito é forte e permanente. Ela resiste até que o pecador seja reconduzido
completamente de volta. As transgressões presentes com seus agravantes são
pesadas, e o pecado original é a fonte da qual outras fontes são originadas. E
nessa fonte, há o suficiente para alimentar mais dez mil outras nascentes além
das que já nasceram. Davi não somente foi convencido do assassinato e do
adultério que cometera, mas teve que traçar estes pecados até a fonte deles, a
corrupção original de sua natureza (Sal. 51:5). Imagine o quanto a visão desta
realidade o inclinou em direção à sua auto-humilhação?
Finalmente, esta
convicção não trata somente de alguns atos pecaminosos, porém da nocividade do
estado do pecador. Ele é levado a examinar-se, visto que é um filho da
desobediência, como também um filho da ira. Tudo será reconhecido e confessado,
sem contestação. Isso é o que evidencia a convicção do Espírito.
B. Aqueles aos quais o
Espírito chama efetivamente, Ele produz temor neles. O espírito de temor vem
antes do espírito de adoção. Realmente, há vários, graus desses temores e
terrores, no entanto o Senhor opera esses sentimentos em todos aqueles acerca
dos quais Ele tem desígnios de amor, a fim de torná-los insatisfeitos em seu
estado natural. A segurança carnal é uma das primeiras coisas que é atacada
pelo Espírito. Ele ordena a alma que desperte e a faz saber que permanecer
dormindo no pecado é muito mais arriscado do que se dormisse no topo de um
mastro.
O pecador tem toda
razão para ficar amedrontado. Ele tem atraído ira contra si, a qual vem
carregada com um onipotente e irresistível poder contra si mesmo. "Quem
pode suportar a Sua indignação ? Quem subsistirá diante do furor de Sua
ira?" (Naum 1:2). As maldições da lei têm um som apavorante aos ouvidos do
pecador e, devido ser ameaçado de maldição, não ficará adormecido por muito
tempo. A proximidade de tão grande mal aumenta excessivamente o medo. Sua
aquiescência é profunda e em sua mente agora ele antevê: "...e em chama de
fogo tomando vingança contra os que não conhecem a Deus e contra os que não
obedecem ao evangelho de nosso Senhor Jesus. Estes sofrerão penalidade de
eterna destruição... "(II Tess. 1:8-9). E, que miséria, ele pensa consigo
mesmo, quão terrível será fazer parte do número daqueles que pedirão às rochas
e montanhas para que caiam sobre eles, para que possam se esconder da face
dAquele que está assentado no trono e da ira do Cordeiro! Isto faz com que ele
pare repentinamente no seu mau caminho. Ele não se atreve a continuar correndo
em direção ao pecado, assim como o cavalo corre em direção à batalha.
C. Aqueles que o
Espírito chama efetivamente, Ele desperta pesar e tristeza neles por causa de
seu pecado e miséria. Eles vêem o que têm feito contra Deus e contra si mesmos,
e isso faz com que seus espíritos fiquem perturbados. Isso é o que é estar
cansado e sobrecarregado (como dizem as Escrituras), estes são os que Cristo
chama para vir a Ele, para que possam encontrar descanso para suas almas. (Mat.
11:28-29). Havia uma voz vinda dos lugares altos, voz de choro e súplica dos
filhos de Israel, porque eles perverteram seus caminhos e esqueceram-se do
Senhor seu Deus, e isso aconteceu antes de aceita rem o Seu convite para
retornar a Ele. (João. 3:20-21).
O pecador, pelo
Espírito, é levado a contemplar a gravidade do seu caso, o mal do seu pecado, e
ver quão miseravelmente ele tem sido enganado pela sua concupiscência e por
satanás, como também sua loucura em se render a eles. Vejam como ele agora
acusa e condena a si próprio! "Quando o coração se me amargou e as
entranhas se me comoveram, eu estava embrutecido e ignorante, era como um
irracional à tua presença" (Sal. 73:21-22). Ele desejaria milhões de vezes
que as tentações tivessem sido recusadas e que o pecado nunca tivesse sido
cometido.
Quero apresentar o
lamento do coração do pecador nesta proposi ção: "Oh, como sou miserável,
o que tenho feito eu durante todos os meus dias! Seria esse o fim para o qual
fui criado, destruir a mim mesmo? Não havia algo melhor a fazer do que
adicionar pecado a pecado, e então entesourar ira para o dia da ira? Quanto
tempo tenho desperdiçado, e como tenho me esforçado para tornar ine um miserá
vel! Ah, tolo, miserável auto-destruidor! Não percebe o quanto tem provocado a
ira do Senhor? Oh, que meus olhos sejam fontes de lágrimas e que eu possa
chorar dia e noite! Os condenados irão chorar e lamentar par sempre, e eu não
deveria lamentar e chorar - eu que mereço tanto ser condenado? Tenho toda razão
para estar perturbado e humilhado grandemente, e para prantear durante o dia
todo".
Assim o pecador se
aflige e lamenta-se, pois a companhia dos amigos, os prazeres sensuais e as
diversões mundanas não podem mandar embora suas tristezas. Ninguém, senão
Aquele que faz as feridas no coração, é capaz de curá-las novamente.
D. Aqueles que o
Espírito chama efetivamente, Ele faz com que se desesperem de si mesmos. Eles
são levados a compreender que não há poder neles mesmos, a não ser fora dos
caminhos do pecado e da miséria nos quais estão mergulhados. E como são
incapazes de se ajudarem, então eles compreendem que são totalmente indignos de
serem ajudados. Deus pode justamente permitir que permaneçam onde caíram e, não
fosse a Sua intervenção, cairiam cada vez mais até não poderem mais ser
recuperados. O pecador pode valer-se de suas boas obras, esperando com isso
reconciliar-se com Deus por causa daquilo que ele tem feito de errado,
entretanto é levado a ver que suas melhores obras estão tão misturadas com o
pecado que, não fosse a justiça e a intercessão de Cristo, estas seriam
verdadeiras abominações. Agora ele está abatido no seu interior. Ele não tem
confiança na carne (Fil. 3:3). Ele não pode fazer nada por si mesmo. Não pode
alegar que tenha direitos a ter algo feito em seu favor, mas ele deve esperar a
graça de Deus para tudo.
Baseado nisso, ele
clama pelos caminhos do Senhor (Sal. 130:1). Ele percebe que está afundando e
clama: "Das profundezas a ti clamo, ó Senhor. Senhor salva-me ou
perecerei. Estou à beira do inferno e cairei, a menos que a mão da misericórdia
me segure." Ele implora com Efraim: "Salva-me, e serei salvo. "
E como o mal do pecado se torna manifesto à sua vista, assim a bondade de Deus
é, em alguma medida, revelada pelo Espírito. E, portanto, ele decide se tornar
um convertido, não somente pela necessidade, porque dessa maneira ele seria
extrema e eternamente miserável, mas também por escolha, porque esse é o
caminho para a verdadeira felicidade. E este desejo de ser convertido é como se
fosse o primeiro sopro da operação do Espírito em todos aqueles que Ele chama
efetivamente para voltarem-se para Deus, como também são as muitas outras
maneiras como o Senhor chama os pecadores à conversão, muitas das quais
tornaram-se sem efeito, porque aqueles que foram chamados são surdos,
desobedientes e rebeldes.
Samuel Bolton
(1606-1654)