Devemos em primeiro
lugar considerar o que se quer dizer com "vontade de Deus". Ela tem
um sentido duplo. Há a vontade secreta de Deus e há a Sua vontade revelada.
"As coisas encobertas são para o Senhor nosso Deus, porém, as reveladas
são para nós" (Deuteronômio 29:29). Nós podemos nos ocupar apenas com a
vontade de Deus revelada. Esta é manifestada a nós, ora em Sua Palavra, ora em
Suas obras.
(i) Há grande variedade
nas coisas reveladas. As coisas realmente importantes da fé cristã estão
claramente mostradas na Bíblia, mas as coisas menos importantes são, às vezes,
mais difíceis de serem entendidas.
(ii) Há grande
diferença nas pessoas a quem Deus revela Sua vontade. Algumas são como homens
fortes, e outras como bebês (I Coríntios 3:1). Algumas são capazes de entender
o que devem fazer, e outras não compreendem tão facilmente.
(iii) Os modos pelos
quais Deus revela Sua vontade aos homens também são muito diferentes. No tempo
do Velho Testamento Deus mostrou aos homens o que fazer de maneira
especialmente pessoal, como no caso de Samuel quando escolheu Saul para ser rei
(I Samuel 9:15-17), e quando Davi perguntou ao Senhor se deveria lutar contra
os Filisteus (I Samuel 23:2,4). Mas agora temos toda a Bíblia para nosso guia,
e não devemos esperar receber revelações especiais. Devemos verificar as
Escrituras, e onde não houver uma regra particular para nos orientar, devemos
aplicar as regras gerais da Bíblia ao nosso problema particular.
Entretanto, é possível
que ainda tenhamos dúvidas sobre o que fazer. Nesse caso, não devemos olhar
apenas para as providências a fim de descobrir a vontade de Deus. O modo mais
seguro é considerar as providências à luz dos mandamentos ou promessas da
Bíblia. Quando tiverem orado pedindo direção, e perceberem que a providência
concorda com sua consciência e com a orientação mais clara que encontram na
Bíblia, podem aceitar isso como encorajamento para continuarem no caminho
indicado. Mas se a providência parece favorecer qualquer coisa que estaria indo
contra a orientação das Escrituras, não devem seguir esse caminho. Por outro
lado, se a providência sozinha fosse tomada como a regra para nos guiar, então
um homem ímpio que pratica o pecado de maneira bem sucedida, poderia alegar ser
guiado por Deus. Os seguintes conselhos ajudarão vocês a descobrirem a vontade
de Deus:
a) Tenham um temor verdadeiro a Deus em seus
corações, e temam deveras em ofendê-lo. "O segredo do Senhor é para os que
o temem; e ele lhes fará saber o seu concerto" (Salmo 25:14).
b) Estudem mais a Palavra e preocupem-se menos
com os afazeres do mundo. A Palavra é luz para os seus pés (Salmo 119:105). Ela
lhes mostrará o que fazer e quais os perigos a evitar.
c) Ponham em prática o que vocês já sabem.
"Se alguém quiser fazer a vontade dele, pela mesma doutrina conhecerá se
ela é de Deus, ou se eu falo de mim mesmo" (João 7:17). "bom
entendimento têm todos os que lhe obedecem" (Salmo 111:10).
d) Orem pedindo iluminação; peçam ao Senhor
que os guie e não os deixe caírem no mal (veja Esdras 8:21).
e) e) Então sigam a providência até onde essa
concorde com a Bíblia, e não ultrapassem isso. Em tempo de provação devemos nós
humilhar sob a poderosa mão de Deus. Por outro lado, é hora de regozijar em
Deus quando Ele envia bênçãos para nos trazer conforto. "No dia da
prosperidade goza do bem" (Eclesiastes 7:14). Devemos ser sábios para
aprender o que Deus está nos ensinando em ocasiões diferentes à medida que a
providência salienta tais ensinos.
f) 2. Como o cristão pode aprender a esperar em
Deus enquanto à providência demora em responder suas orações?
g) São dois os modos de ver essas demoras. De um
lado, tempos e estações estão nas mãos do Senhor nosso Deus (Atos 1:7), porém
do nosso próprio ponto de vista, esperamos que nossas orações sejam respondidas
bem mais cedo. Ora, nada pode ser mais certo ou exato que a hora escolhida por
Deus para responder orações. Se fôssemos comparar Êxodo 12:41 com Atos 7:17
veríamos a razão pela qual a saída de Israel do Egito não poderia demorar nem
mais um dia. Foi porque o tempo da promessa havia se cumprido. Nós ficamos
desapontados com a demora da providência e começamos a duvidar da fidelidade de
Deus. Mas os Seus pensamentos não são os nossos pensamentos (Isaías 55:8).
"O Senhor não retarda a sua promessa, ainda que alguns a têm por
tardia" (II Pedro 3:9). O Senhor não calcula Seu tempo de ação pela nossa
aritmética. Deus determina a hora certa, e embora Sua resposta demore mais do
que esperamos, ela não será nem um momento mais tarde que Sua determinação.
Durante essas demoras o
povo de Deus pode se tornar muito desanimado. Pelo profeta Isaías Deus havia
prometido que teria misericórdia de Seu povo em cativeiro, mas Seu povo esperou
ano após ano e nada aconteceu. "Mas Sião diz: já me desamparou o Senhor, e
o Senhor se esqueceu de mim" (Isaías 49:14). Com Davi aconteceu o mesmo.
Deus tinha feito promessas para ele que foram chamadas "As beneficências
firmes de Davi" (Isaías 55:3) e ainda assim ele pensou que Deus tinha Se
esquecido dele. Ele disse: "Até quando te esquecerás de mim, Senhor? Para
sempre?" (Salmo 13:1). Há três razões principais porque nós nos
desanimamos desse modo:
(i) Damos lugar à
incredualidade. Nós não confiamos inteiramente na infalível palavra de um Deus
imutável e fiel. Esta razão para frouxidão de coração está no Salmo 27:13:
"Pereceria sem dúvida, se não cresse." Em outras palavras, um coração
frouxo é uma evidência de incredulidade.
(ii) Vemos as coisas
conforme nos parecem. Foi dito acerca de Abraão que "contra a
esperança", isto é, contra a probabilidade natural, ele "creu contra
a esperança... dando glória a Deus" (Romanos 4:18,20). Nossos espíritos se
animam ao esquecermos daquilo que vemos com os olhos físicos e ao medirmos tudo
por outra norma, isto é, pelo poder e fidelidade de Deus (II Coríntios
4:16,18).
(iii) Satanás usa essas
ocasiões para sugerir pensamentos rebeldes contra Deus. Quando nossos ânimos
estão deprimidos estamos mais propensos para dar ouvidos a Satanás. Ele sempre
procura nos enfraquecer e fazer com que deixemos de esperar em Deus.
À luz do que temos
dito, é necessário que estejamos atentos e que entreguemos tudo nas mãos de
Deus, com tranqüilidade, esperando ela Sua salvação. Para ajudar-nos nisso,
apresento os seguintes pensamentos:
a) Vocês não têm razão
real para pensarem com rudeza sobre Deus, porque é possível que Ele não tenha
prometido as coisas que esperam dEle. Talvez tenham prometido certas coisas a
si mesmos, tais como prosperidade e a duração dos bens que agora desfrutam. Mas
onde Deus prometeu isso? A promessa de que Deus "não negará bem
algum" é limitada àqueles que "andam na retidão" (Salmo 84:11).
Sondem seus próprios corações e vejam se não têm se desviado de Deus, de modo
que Ele seria justo se tirasse aquelas coisas que lhes agradam. De qualquer
modo, todas as promessas de bens nesta vida são limitadas pela sabedoria e
vontade de Deus. Quem lhes disse que podiam esperar descanso, calma e gozo
neste mundo? Deus já nos disse que devemos esperar problemas no mundo (João
16:33), e que "por muitas tributações" importa que entremos nò reino
de Deus (Atos 14:22). Tudo o que Deus promete é estar conosco nas provações, a
fim de suprir nossas reais necessidades e fazer com que tudo coopere para nosso
bem (Salmo 91:15; Isaías 41:17; Romanos 8:28).
b) Se, após orarem a Deus pedindo bênçãos
espirituais, tiverem esperado muito tempo sem receber nada, eu gostaria de lhes
perguntar que tipo de bênçãos pediram. As bênçãos espirituais são de dois
tipos: aquelas que são necessárias à continuidade da vida espiritual, e aquelas
que aumentam nossa alegria e consolo. As bênçãos do primeiro tipo são
absolutamente necessárias, portanto são promessas certas e infalíveis. "E
farei com eles um concerto eterno, que não se desviará deles, para lhes fazer o
bem; e porei o meu temor no seu coração, para que nunca se apartem de mim"
(Jeremias 32:40). As bênçãos do segundo tipo são dadas conforme Deus vê que são
boas para nós, e muitos dentre o Seu povo vivem muito tempo sem elas.
c) Vocês devem se perguntar qual o propósito
em querer essas bênçãos. Pode ser que não recebem aquilo que pedem porque não
querem as bênçãos pelo motivo correto (Tiago 4:3). Às vezes pedimos para sermos
livres de problemas simplesmente porque eles estragam o nosso prazer neste
mundo. De fato, os problemas são nos enviados a fim de vivermos uma vida de
maior obediêcia.
d)Porventura estão
realmente preparados para que a vontade de Deus seja feita? O que lhes satisfaz
é o desfrutar de seus desejos, mas Deus Se alegra quando desejam apenas fazer
a Sua vontade. Não podem usufruir as bênçãos enquanto não desejarem fazer a
vontade de Deus de todo o seu coração. Davi teve que esperar muito tempo para
receber o que lhe havia sido prometido, e nesse ínterim sua alma se tornou como
uma "criança desmamada" (Salmo 131:2). Se Davi e muitos outros
tiveram que esperar muito tempo as bênçãos de Deus» por que vocês não devem
esperar também?
e) Acaso perderão alguma coisa se esperarem
pacientemente em Deus? Certamente que não. É muito melhor saber que a graça de
Deus está operando em suas vidas do que desfrutar de conforto. O Senhor está
lhes dando uma lição de fé e paciência, e os tornando mais desejosos de fazer
a Sua vontade. Quando as bênçãos desejadas forem recebidas, trarão muito maior
prazer devido terem orado e exercido a sua fé.
f) Se não vale a pena esperar pelas bênçãos que
desejam de Deus, então é tolice preocuparem-se por não tê-las. Tudo que Deus
espera de vocês é que aguardem por Suas beneficências, como sendo favores
espontâneos. Pensem nas muitas promessas feitas para aqueles que esperam no
Senhor. "Bem-aventurados todos os que nele esperam" (Isaías 30:18); e
"Os que esperam no Senhor renovarão suas forças" (Isaías 40:31).
g) Lembrem-se de quanto tempo Deus esperou até
que vocês se voltassem para Ele e obedecessem Sua palavra. Não seria certo,
então, que Deus lhes faça esperar Suas bênçãos? Nossa incredulidade O fez
clamar: "... até quando permanecerão no meio de ti os teus maus
pensamentos?" (Jeremias 4:14).
h) O fato de terem-se
cansado de esperar é um grande mal. Provavelmente teriam recebido* mais cedo as
bênçãos desejadas, caso seu ânimo tivesse sido mais sossegado e pronto a se
submeter à vontade de Deus.
John Flavel (1628-1691)