“Podemos estar em
aliança com aqueles que estão se afastando da verdade?” – Eis a questão
levantada por Spurgeon num editorial em 1887.
Como cristãos, somos
chamados a partilhar a nossa fé, mas também nós somos chamados a mantê-la,
lutar por ela: “Tive por necessidade
escrever-vos, e exortar-vos a batalhar pela fé que uma vez foi dada aos santos.”
- Judas 1:3 – Jamais devemos ser “românticos”
de imaginar, de que porque o que pregamos é a clara revelação bíblica, igrejas,
cristãos em geral... dirão que se é o
que a Bíblia mostra, então deve ser a verdade aceita e proclamada. Grande parte
da igreja jamais está disposta a ouvir a verdade contrária ao natural humanismo
secular do coração irregenerado. Há um custo altíssimo em se apegar ao Sola
Scriptura, mesmo que você seja o pregador mais famoso do mundo.
Como o Apóstolo Paulo,
cada crente deve aspirar ao epitáfio, "Combati o bom combate, terminei o
curso, eu guardei a fé."
Talvez ninguém na
história proclamou e melhor guardou a fé do que Charles Spurgeon – (“A apatia está por toda parte. Ninguém se
preocupa em verificar se o que está sendo pregado é verdadeiro ou falso. um
sermão é um sermão, não importa o assunto; só que, quanto mais curto melhor”.) - especialmente como pode ser visto através do
prisma da Controvérsia do Declínio.
O ano era 1887, e
Spurgeon entrou no inverno da sua vida. Por mais de três décadas ele teve a
qualidade singular de ser o pregador mais conhecido do mundo, mas agora muitas
nuvens de tempestade se reuniram no horizonte.
A Controvérsia do
Declínio começou lentamente no início, com três artigos anônimos que aparecem na
edição de março, abril e junho (1887) da Sword & Trowel. Os três artigos (Que mais tarde se revelou ser de autoria do amigo de Spurgeon, Robert Shindler)
alertavam para a derrapagem doutrinária que levava a igreja para um declínio
mortal.
“[Ao final da era
puritana] por um meio ou por outro, primeiramente os ministros, depois, as
igrejas, entraram no ”declínio”; em alguns casos, a descida foi rápida, e em
outros, desastrosa. Á proporção que os ministros abandonavam a antiga piedade
de vida puritana e a antiga fé nas doutrinas da graça e soberania de Deus,
tornavam-se menos fervorosos e menos simples em sua pregação, mais
especulativos e menos espirituais em seus discursos e se detinham mais nos ensinos
morais do Novo Testamento do que em outras verdades centrais da revelação. A
teologia natural com frequência tomou o lugar das grandes verdades que o evangelho deveria ter ocupado, e os
sermões se tornavam mais e mais
destituídos de Cristo. Os resultados correspondentes no caráter e na vida, primeiro dos pregadores e, em
seguida, do povo, eram nitidamente visíveis.”
Sword
& Trowel
Robert Shindler disse
mais:
“Os presbiterianos
foram os primeiros a chegar ao início da ladeira... Tomaram o caminho da
sabedoria humana: Deram mais ouvidos aos conhecimentos clássicos e outros
campos do saber... Foi, portanto, um passo fácil na direção errada, prestaram
atenção redobrada aos conhecimentos acadêmicos dos seus ministros e pouca
atenção ás qualificações espirituais; colocaram mais valor na escolaridade e na
oratória do que no zelo evangélico e na capacidade de manejar bem a palavra da
verdade... Como é comum as pessoas em
declínio, alguns chegam além do que tencionavam, demonstrando que é mais fácil entrar no erro do que sair
dele e que, não havendo freios, torna-se difícil parar. Aqueles que abandonaram
a antiga fé podem nem ter sonhado em negar verdades fundamentais... renunciar a fé na sua morte expiatória e
propiciação e em sua justiça justificadora; nem sonhado em rejeitar a doutrina
da depravação total do homem, da necessidade da regeneração divina e da obra
graciosa do Espírito Santo, tendo sonhado ou não, este resultado tornou-se
realidade.”
Por causa disso pessoas não
regeneradas estavam integradas na membresia da igreja e pessoas não regeneradas
ocupavam seus púlpitos – Como consequência, dos púlpitos estava sendo pregado o oposto
da verdade bíblica, mas em compensação, os
púlpitos estavam em plena harmonia com o pensamento humanista da época... Como
foi dito, “em termos de teologia, descobrimos
sempre que o verdadeiro não é novo e que o novo não é verdadeiro.”
E ele continua: “No
caso de um desvio, existe sempre um primeiro passo errado. Se conseguirmos
descobrir este primeiro passo, talvez possamos evitá-lo, assim como seus
resultados. Onde, portanto, está o ponto de divergência da “auto-estrada da
verdade do Rei”? Qual é o primeiro passo em direção ao erro? Seria duvidar
desta doutrina, ou o questionar determinada verdade explícita na Palavra, ou o ser cético quanto
àquele artigo de fé?..."
É óbvio que essas dúvidas e ceticismos fluem do primeiro passo de não termos apenas as Escrituras como nossa autoridade - o primeiro passo que abandona o Sola Scriptura.
Enquanto os artigos anônimos atraíram o interesse, a controvérsia não explodiu até poucos meses
mais tarde, quando Spurgeon entrou diretamente na “briga”. Em agosto de 1887, Spurgeon
lançou o desafio em seis páginas no editorial da Sword & Trowel, intitulado: "Uma outra palavra sobre o
Declínio."
Naquela época, Spurgeon
estava a menos de cinco anos de sua morte. Ele estava no auge de sua
popularidade na União Batista e globalmente, mas entrando no momento mais
profundo de sua angústia pessoal. Doenças físicas, como falha nos rins, gota
crônica... estavam arruinando seu corpo e vigor, tristezas profundas atormentando sua
alma... Simplificando, ele não precisava, nem estava pronto (por vários motivos )
para o conflito que ele estava prestes a entrar. Retirar a maior igreja batista
na Inglaterra da União Batista teria consequências terríveis.
No entanto, Spurgeon
entrou em seu escritório, caneta na mão, e começou a se preparar para a batalha
na elaboração do artigo de seis páginas.
Eu olhei as imagens
originais das seis páginas do manuscrito que Spurgeon escreveu naquele dia em
1887. É fascinante ver suas palavras, escritas por sua mão, com suas marcações,
alterações e ênfases. Ele irradia o espírito de Paulo e a urgência de manter a
fé. O primeiro parágrafo especialmente assumiu a imortalidade:
“Nenhum amante do
evangelho pode esconder de si mesmo o fato de que os dias são maus. Estamos
dispostos a fazer grandes concessões a partir de nossas apreensões e medos
sobre a pontuação da timidez natural, o cuidado de nossa época, e a fraqueza
produzido pela dor; mas ainda assim, nossa solene convicção é que as coisas, em
muitas igrejas, estão piores do que parecem, e a tendência é de uma descida
ainda mais acentuada. Leia os jornais que representam a Escola Liberal da
Discordância e pergunte-se: Quão mais longe poderão ir eles? Que doutrina não
foi abandonada? Que outra verdade será
alvo de desprezo? Iniciou-se uma nova religião, que não é mais o cristianismo,
assim como o giz não é queijo; e essa religião, destituída de honestidade
moral, intitula-se a velha fé com “pequenas melhorias” e, baseada nessa
alegação, usurpa púlpitos que foram erigidos para pregar o evangelho.
A Expiação é refutada,
a inspiração das Escrituras é ridicularizada, o Espírito Santo é degradado em
uma mera influência, o castigo do pecado é transformado em ficção, e a
ressurreição em um mito e, no entanto estes inimigos de nossa fé esperam que
nós lhes chamemos irmãos e mantenhamos uma confederação e união com eles!”
Spurgeon continua:
“O caso é triste.
Alguns ministros estão se tornando infiéis. Ateus declarados não constituem um
décimo do perigo representado por tais pregadores, que semeiam dúvidas e difamam
a fé bíblica... a Alemanha tornou-se incrédula por causa dos seus pregadores, e
a Inglaterra está seguindo os mesmo passos”.
Spurgeon é firme em sua
denúncia do abandono da Verdade:
“Esses destruidores de
nossas igrejas aparentam estar tão contentes com seu trabalho quanto macacos
com suas travessuras... Um pouco de conversa sincera faria um bem enorme a nosso mundo, nestes
dias. Esses cavalheiros não querem ser molestados. Não desejam que se levantem
vozes contra eles. É claro que ladrões detestam cães de guarda e adoram a
escuridão. Já é hora de alguém tocar sirene e chamar atenção para a forma em
que Deus está sendo roubado de sua glória e os homens, de sua esperança”
.
E no fim do editorial
Spurgeon diz:
“Até onde podem
fraternizar aqueles que permanecem na fé que uma vez por todas foi entregue aos
santos com os que se voltaram a outro evangelho? Esta é uma questão muito
séria. O amor cristão tem suas reivindicações, e as divisões deveriam ser
evitadas como um mal angustiante; mas quanto podemos nos justificar por
estarmos em aliança com aqueles que estão se afastando da verdade? É uma
pergunta difícil de responder, quando desejamos manter o equilíbrio de nossos
deveres. No presente, entretanto, cabe aos crentes serem cuidadosos, a fim de
não darem apoio e aprovação aos traidores do Senhor. Uma coisa é passar por
cima de todas as fronteiras de restrições denominacionais por amor à verdade; e
isto esperamos que homens piedosos, façam cada vez mais. Mas outra política bem
diferente é aquela que nos impele à subordinar a sustentação da verdade à
prosperidade e à unidade denominacional. Muitas pessoas tolerantes fecham os
olhos para o erro, se este for cometido por alguém inteligente ou por um irmão
bem intencionado, possuidor de várias qualidades. Que cada crente julgue por si
mesmo; mas, quanto a nós, acabamos de colocar algumas trancas novas em nossas
portas e demos ordens específicas para que seja colocada a corrente de
segurança; pois, sob a alegação de solicitar a amizade de servo, estão aqueles
que almejam roubar o mestre”.
Spurgeon argumentou que
verdadeiros cristãos não podem ser afiliados a ministérios e estar em comunhão
com aqueles que têm comprometido a fé. Suas palavras eram um presságio do cisma
que estava chegando. Spurgeon era uma voz solitária, mas ele era a voz mais
alta e mais reverenciada de todas, exigindo fidelidade doutrinária, fidelidade bíblica sobre qualquer confederação e união programática.
A palavra de Spurgeon
sobre o Declínio caiu como uma bomba. Ela enviou ondas de choque em toda a
União Batista e evangelicalismo britânico. Ela reverberou em todo o mundo
protestante.
Durante décadas, a
imprensa tinha atacado Spurgeon, mas agora ele iria ser atacado pela própria
União Batista, da qual sua igreja era a maior. Antes da Controvérsia do Declínio, se a União
Batista tivesse um papado, Spurgeon teria sido o papa inquestionável. Mas
agora, seus antigos irmãos brutalizaram ele. Eles o acusaram de pugilismo, de
ser um cismático. Eles ainda questionaram sua sanidade com uma campanha de sussurros
de que seus males físicos tinham feito ele ficar louco. Os graduados da
faculdade de Spurgeon ( de maneira geral ) se voltaram contra ele, e os líderes
da União Batista ridicularizaram ele.
Muitas vozes queriam
que Spurgeon relevasse os desvios das verdades bíblicas... Mas sua resposta
foi:
“Permita-se que
continuem no caminho estreito aqueles que o pretendem e que sofram por sua
escolha; mas pensar em poder seguir, ao mesmo tempo, pelo caminho largo é um
absurdo. Que comunhão existe entre Cristo e Belial? Chegamos até aqui e paramos
para refletir. Nós, os que temos a mesma maneira de pensar, esperemos no
Senhor, a fim de saber o que Israel deverá fazer. Com fé inabalável, tomemos
nosso lugar; não com ira, não com espírito de suspeita ou divisão, mas em
vigilância e resolução. Que não pretendamos ter uma comunhão que não sentimos
existir nem escondamos as convicções que ardem em nossos corações. Os tempos
são perigosos, e a responsabilidade de cada indivíduo é um fardo que precisamos
carregar ou, então, nos mostramos traidores. O Senhor esclarecerá a cada homem
qual o seu lugar e o curso que deverá seguir”.
Ao longo dos próximos
dois meses, Spurgeon escreveu mais dois artigos sobre o Declínio na Sword &
Trowel. Então, em 28 de outubro de 1887, Spurgeon escreveu ao Secretário-Geral
da União Batista, Samuel Harris Booth, para anunciar a sua retirada da União
Batista:
“Caro amigo, cumpre-me
anunciar-lhe, como secretário da União Batista, que preciso sair desta
entidade. Faço isto com o mais profundo pesar; mas não tenho outra escolha. As
razões estão enunciadas na Sword & Trowel. Motivado pela mais sublime das razões, tomei
este passo, e você sabe que há muito o tenho adiado, na esperança de que as
coisas melhorassem.
Mui Atenciosamente,
C.H. Spurgeon”.
Três meses depois, em
janeiro de 1888, o Conselho da União Batista votou para aceitar a sua retirada,
e, em seguida, o Conselho de cerca de 100 membros votou uma censura a Spurgeon - e
apenas míseros cinco homens apoiaram o Príncipe dos Pregadores.
A União Batista adotou
um compromisso e declaração doutrinária, que era de todo muito fraca,
totalmente vaga, nem clara e nem suficientemente abrangente. Embora fora da
União, Spurgeon se opôs à declaração por suas deficiências óbvias através de
carta. No entanto, ela passou esmagadoramente, por um votação de 2000 contra 7
- e de forma adequada isso pode ser
interpretado como uma segunda votação contra Spurgeon. A maioria tragicamente
seguiu nesta direção, e até o irmão de Spurgeon, James, apoiou a moção e
discursou naquele dia ajudando nesse resultado.
Spurgeon, o "Leão
no Inverno", foi profético, mesmo não sendo popular. Ele disse:
"Estou muito disposto a ser comido por cães nos próximos cinquenta anos,
mas o futuro mais distante deve me justificar." – O que aconteceu no século XX ao evangelho na Inglaterra e como ela está hoje, mostra a realidade perfeita do que
Spurgeon disse que aconteceria. Decadência
doutrinária sempre traz conseqüências terríveis.
Spurgeon não se
esforçou em nada para tirar outros da União, mas mostrou como era impossível
compreender como algum homem pode se propor permanecer fiel às Escrituras, e ao mesmo tempo continuar pertencendo e apoiando qualquer organização que está abandonando as
Escrirutas. Ele diz:
“Vários bons irmãos
permanecem, de formas variadas, em comunhão com aqueles que estão minando o
evangelho; e falam da sua própria conduta como se fora o caminho amável que o
Senhor aprovará na sua volta. Não conseguimos entendê-los. Para com homens que
professam ser cristãos e, ao mesmo tempo, negam a Palavra do Senhor, rejeitando
as coisas fundamentais do evangelho, o dever obrigatório de um verdadeiro crente é sair do meio deles.
Se for dito que esforços precisam ser feitos afim de produzir reformas,
concordamos com a observação; mas, quando sabemos que os mesmos serão inúteis,
para que servem? Quando a base da associação permite o erro, chegando quase a
atraí-los, e existe uma evidente determinação em não alterar essa base, nada
resta que possa ser feito ali dentro de qualquer préstimo vital. Nosso vigente
e pesaroso protesto não é uma questão que se refere a este ou àquele homem, a
este ou àquele erro; é uma questão de princípio”.
A controvérsia custou
caro a Spurgeon. Custou-lhe suas amizades. Custou-lhe a reputação. Até mesmo
seu próprio irmão renegou sua decisão e se opôs a ele abertamente. No entanto, para
Spurgeon, permanecer dentro da União equivaleria a traição teológica.
Menos de cinco anos
depois Spurgeon iria morrer. Contra a sua vontade previamente expressa e estabelecida, os
seus pares ergueram uma tumba maciça no Norwood Cemetery para ele. Abrigando na frente
dela, debaixo da réplica de mármore de seu rosto, uma Bíblia de mármore aberta
em II Timóteo 4: 7 - "Combati o bom combate, terminei a carreira, e guardei a fé
".
Na verdade, Spurgeon
guardou a fé, e sua realização deve ser a nossa ambição - manter a fé, mesmo tendo
que enfrentar o que ele enfrentou, suas perdas.... quando somos hoje confrontados com as nossas
próprias Controvérsias do Declínio. Sabendo que, uma
igreja que abandona o Sola Scriptura e abraça o humanismo secular, não ouvirá
nem mesmo o pregador mais famoso do mundo!






