Quando eu era um garoto
eu li “It”, de Stephen King... ( O livro foi lançado em 1986 – quando eu tinha
17 anos ) - Meu pai me perguntava porque
eu gastava tempo lendo livros como esse, e porque o medo teria algum atrativo
para mim... mas eu via mais coisas lá do que simplesmente uma história de
terror, suspense... (Essa história em particular ficou em evidência de novo agora
por causa do filme lançado esse ano com grande sucesso...)
O que eu via? Simplesmente a história mostra como o mal
dilacera todos nós, e como há ecos do bem, ainda que apenas ecos do que fomos
criados para ser. A devastação da nossa queda... de todos nós. A história mostra
como o mal e os ecos perdidos do Eden nos consomem. É algo que definitivamente
nenhum ser humano pode escapar, é nossa corrupção, nossa depravação. É assim que a história de Stephen king torna-se
para nós não apenas aterradora, mas se relaciona com as profundidades do nosso
ser caído.
O livro ( filme ) gira
em torno de um personagem obscuro, “It” – mas conhecido como Pennywise the
Dancing Clown. Esta coisa – It – só pode ser descrito assim – coisa – porque ele
aparece de forma diferente para cada personagem ao longa de toda a história.
Essa criatura é a epítome do seu passado – o que na vida te horroriza até o
ponto do desespero completo. Ou seja, ela se alimenta dos lugares mais sombrios
dentro de nós – ele “ilumina o mal interior e o agita”. Stephen King está dando
uma forma aos medos e pavores que controlam nosso coração errante, caído e
depravado. Medos que nos deixam imobilizados.
Na história seguimos os
passos de sete adolescentes de onze anos que crescem nos anos oitenta... ( eu
tinha essa idade exatamente na mesma época ) – que experimentam seus pesadelos
se tornando realidade, sempre os vendo de maneira diferente pois é o que está dentro deles que está sendo agitado e trazido para fora. A história mostra como o mal e os horrores nos moldam
num mundo caído de pessoas caídas. King destaca isso como uma coisa inescapável
da nossa condição.
Todos os sofrimentos e
males interiores que paralisaram suas vidas, os lugares e como tudo isso fez
uma casa um sua psique... só que tudo isso começa a se tornar real... cada vez
mais real no mundo exterior.
Era fácil notar, mesmo
quando garoto ainda, os paralelos entre a minha própria vida e os personagens
da história. Os medos mais profundos deles, os assombravam apenas em estado de
solidão. Quem conhece os terrores do coração de alguém, de outra pessoa? Quem
conhece a escuridão...? O interessante e diferente, é que eles começam a ser
aterrorizados à luz do dia, enquanto o mundo todo ao seu redor continua se
movendo normalmente, totalmente inabalável pelo trauma que as crianças têm
sofrido individualmente ali, no meio de todos. As crianças estavam
experimentando essa escuridão, esses eventos prejudiciais, escuros... sozinhos
e paralisados pelo sentimento de “insanidade”, imaginando se tudo era realmente
real. "Talvez seja por isso que Deus nos criou do chão e perto do chão,
porque Ele sabe que você deve cair muito e sangrar muito antes de aprender uma
lição simples que seja. Você paga pelo que obtém ( por ser injusto o homem
sempre colhe apenas o resultado disso, nunca o oposto ), você possui o que você
paga. . . e, mais cedo ou mais tarde, o que você possui, volta para você.
" Stephen King, It – diz uma parte do livro.
Um dos personagens mais
cativantes é Beverly, uma menina
corajoso... que experimenta parte do seu horror no banheiro de sua casa.
A “casa má” em que ela vive é um pesadelo próprio e só piora tudo quando ela
começa a ouvir vozes vindo do cano da pia do banheiro. Ela, a Beverly, é vitima
de abuso de seu pai, e está isolada porque trata desses abusos em segredo... é
um horror só dela. Para ela, o horror que ela está experimentando agora no
banheiro, sabemos que é apenas uma imagem do que está acontecendo com ele no
mundo exterior... naquela casa. Ele sempre estava vivendo em constante estado
de medo, um estado de solidão, parecendo ser um estado de “insanidade”.
Sem querer estragar as
coisas com spoiler, quero só dizer que essa parte do livro, ou cena, termina
com sangue jorrando do cano da pia... ( Bem, isso é Stephen King né... )
Beverly desesperada por
sua própria sanidade, decide corajosamente deixar seus amigos entrarem no que
ela experimentou no banheiro – já que outras pessoas não viam o que ela viu –
Ela arriscou... com medo de isso lhe custar a reputação de ser vista como uma
pessoa insana. Quando seus amigos ouvem o que ela conta, a resposta é uma que só
em livros existem, infelizmente:
“Bem, então por que não
limpamos essa lugar?”
Ela está sendo
informada que não estava isolada em seu horror e dor. Seus amigos entraram em
seu mundo. Agora ela sabia que não estava nem sozinha e nem louca. Ela precisa
alguém ou “alguéns” para limpar a bagunça no banheiro que era só a manifestação
da escuridão da sua vida.
Na realidade de nossa
fé cristã, recebemos uma resposta semelhante para a derrota do sofrimento e do
mal. Não podemos fazê-lo desaparecer, na verdade fazemos parte do mal do mundo
e precisamos de um resgate soberano. E mesmo depois de regenerados, a Bíblia
nos diz que a vida de um seguidor de Cristo é marcada pelo sofrimento. O
sofrimento pode ser uma realidade inevitável, mas Deus nos deu algo dentro de
tudo isso; Ele nos deu a si mesmo, não sem sofrimento, mas através dele... o
mais terrível sofrimento na história do mundo Ele mesmo sofreu.
Não há um grupo de
amigos que podem entrar na escuridão de nosso mundo particular e interno e
lavar toda a sujeira, mal, medo... que nos assombram de todas as formas. Até o
horror final: “E, visto como os filhos participam da carne e do sangue, também
ele participou das mesmas coisas, para que pela morte aniquilasse o que tinha o
império da morte, isto é, o diabo; E livrasse todos os que, com medo da morte,
estavam por toda a vida sujeitos à servidão.” - Hebreus 2:14,15
“It” –Pennywise the Dancing Clown – apenas agita
a escuridão que está dentro…
Theodore Dalrymple é um
grande escritor. Ele é um médico britânico aposentado.
(Anthony Daniels
(nascido em 11 de outubro de 1949), que geralmente usa o pseudônimo de Theodore
Dalrymple. Ele é um escritor Inglês e médico psiquiatra aposentado. Ele trabalhou em uma série de
países africanos subsaarianos, bem como no East End de Londres. Antes de sua
aposentadoria, em 2005, ele trabalhou na City Hospital, Birmingham e Winson
Prison Green no centro da cidade de Birmingham , Inglaterra.)
Dadas estas definições,
ele viu e ouviu um monte de coisas desagradáveis ao longo dos anos em
hospitais, prisões... Em um de seus ensaios ele fala sobre como ele costumava
acreditar que as pessoas eram basicamente boas (Dalrymple não é um cristão).
Ele viveu e cuidou de pessoas em países onde ditadores governaram e pessoas
foram massacradas, mas ele pensava durante muito tempo, que a menos que você
tivesse esses tiranos no poder, a maldade generalizada, o mal generalizado não
era possível.
Ele gradualmente mudou
de ideia depois de ouvir inúmeras histórias e coisas horríveis que seus
pacientes tinham experimentado e feito. “Talvez a característica mais alarmante
desse mal por baixo e enraizado no íntimo do homem, é ele ser endêmico. O que o
faz estar tão próximo da concepção do
pecado original é que ele é espontâneo e não forçado. Ninguém obriga as pessoas
a cometê-lo.”
Dalrymple diz que em
uma ditadura você pode “entender” as pessoas fazendo coisas ruins para se
protegerem. Mas em um país livre, como a Grã-Bretanha, ninguém o obriga a ser
mau. Na verdade, muitas vezes você vai ser punido se você fizer o mal. E ainda
assim as pessoas escolhem livremente o que é mau. Fazem isso o tempo todo e de
todas as maneiras possíveis. Quantas vezes não fazem, mas confessam, como
muitas vezes ouvi, pensar coisas terríveis e não são feitas por motivos muitas
vezes egoístas – medo das consequências - mais desejadas. "Nunca
mais", escreve ele, "vou ser tentados a acreditar na bondade
fundamental do homem, ou que o mal é algo excepcional ou alheio à própria
natureza humana" ( Our Culture, What's Left of It ).
O pecado está em cada
coração humano. Ele é o vilão com mil faces em mil faces de vilões. É o homem
que abandona uma mulher grávida e deixa a cidade. É deixar a família e filhos
por causa de um “novo amor” – sob a desculpa de querer ser feliz a custa da
família, palavra empenhada e felicidade de outros. É a evidência da feiura do
egocentrismo disfarçado com a palavra “amor”. Como se chamássemos veneno de
essência de hortelã mudasse o que o veneno é. É o homem dizer que seus desejos
sexuais é que define o que é família e casamento. É também o homem de família
respeitável que despreza sua esposa e ignora seus filhos. É a mulher mesquinha
que fala mal de todo mundo, mas é também a doce senhora que nunca diz uma
palavra indelicada mas abriga todos os tipos de ressentimentos e rancores no
peito. É o garoto que mente a seus pais... É também a criança que fica em linha
reta, cara emburrada e faz pirraça quando seus desejos são contrariados... é o
coração que admite não ser perfeito como forma de auto-justificação se
refugiando no orgulho da comparação com o que os outros estão fazendo...
O pecado é a luxúria
que leva a sociedade ver o sexo como mero entretenimento, usando outros seres
humanos como se fossem coisas... é cobiça e assassinato... Mas o pecado também
é impaciência, egocentrismo mesquinho e a necessidade de controlar tudo e
todos... Pecado é ter crises e “odiar” a si mesmo, não por seu pecado, mas
porque em seu orgulho você quer ser o mais bonito, o mais inteligente, mais
magro, mais atlético... O pecado está no desgosto com todas as pessoas que não
são o que nosso ego desejava que elas fossem para nós. O pecado não está no
fato de que o homem não se ama, mas na auto-importância que sentimos, achando
que mesmo Deus devia se curvar a nossa vontade... na auto-importância que
sentimos em nosso esnobismo intelectual para com aqueles que achamos que não são tão iluminados como nós somos, o
esnobismo estético, o esnobismo financeiro, e esnobismo do nosso gosto
“refinado”...
O pecado está ajudando
e fazendo caridade porque os outros irão pensar bem de nós, que somos pessoas
boas, de bom caráter ( e jamais fazendo isso somente para a glória de Deus)...
O pecado está ajudando e fazendo caridade para que nós mesmos achemos que somos
bons... O pecado está sempre falando mais da falha dos outros, da igreja... do
que orando por eles... o pecado está recusando um milímetro de misericórdia
para os que nos ferem, quando misericórdia infinita foi dada a nós em Cristo. O
pecado ama ser apreciado pelas pessoas no que fazemos por elas e nos leva a
fazer tudo para receber os aplausos dos nossos feitos. O pecado é atribuirmos
um monte de nomes novos a velha corrupção do nosso ser. É esconder a preguiça
chamando de déficit de atenção, chamamos o medo do homem e a falta de confiança
em Deus de crise de ansiedade, é ignorar a Deus e chamar isso de vida muito
ocupada...
Precisamos
desesperadamente recuperar a palavra “pecado” em nosso vocabulário. Quando um
político famoso, atleta famoso, uma celebridade, ou um pastor, padre, pessoa
comum... faz um “mea culpa” - é quase sempre na linguagem do "Lamento ter
decepcionado tantas pessoas." Ou: "Lamento o meu erro de julgamento."
Ou, "Eu admito que isto tem sido uma luta por mim e eu estou buscando
ajuda.”
Raramente, alguém diz
"Eu pequei. É indesculpável. Não posso responsabilizar ninguém... Por
favor, me perdoem. Se não perdoarem, eu seu que seria merecido...” – Como Davi
disse, por exemplo: “Porque eu conheço as minhas transgressões, e o meu pecado
está sempre diante de mim. Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é
mal à tua vista...” - Salmos 51:3-4
Mesmo como cristãos
encontramos maneiras de evitar a palavra pecado. Ou quando pedimos perdão,
temos tantas justificativas e ressaltamos tanto o erro dos outros que o pedido
de perdão é na verdade uma distribuição de culpas para amenizar a nossa.
Falamos mais facilmente
de nossas imperfeições, nossas falhas,
nossas dificuldades, nossas disfunções,
nossas fraquezas, nossas inseguranças, problemas psicológicos, que estamos em
processo de crescimento... Mas quantas vezes nós chamamos o pecado de
"pecado"?
A Bíblia diz que o
pecado é o problema do mundo. Somos traidores, rebeldes e desleais ao nosso
Rei. Somos criaturas ingratas empinando os nossos narizes para o Criador. Somos
amantes loucos fazendo de desejos, pessoas e coisas ídolos que não podem nos satisfazer.
Temos corações poluídos que gostam do que é ruim e não gosta do que é bom,
corações corrompidos que buscam a glória própria e não somente a glória de
Deus. “E a condenação é esta: Que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais
as trevas do que a luz, porque as suas obras eram más” -. João 3:19 - O pecado
é o pecado que assedia a todo homem nascido em Adão.
Com exceção de Jesus, é
claro. Deus tomou “aquele que não conheceu pecado, e o fez pecado por nós; para
que nele fôssemos feitos justiça de Deus.” - 2 Coríntios 5:21 – Ou seja, o
pecado pode ter mil faces se expressando em todo homem nascido em Adão, mas a
salvação tem apenas uma.
“Como está escrito: Não
há um justo, nem um sequer. Não há ninguém que entenda; Não há ninguém que
busque a Deus. Todos se extraviaram, e juntamente se fizeram inúteis. Não há
quem faça o bem, não há nem um só.” - Romanos 3:10-12.
Bondade essencial? Não!
Depravação total! – Até mesmo um não cristão como Theodore Dalrymple pôde ver
isso – em todos, do ditador cruel ao mais simples, comum e pobre homem da
sociedade humana.
Agora, somos livres
recebendo uma nova e definitiva identidade. Quando Saulo se tornou Paulo no
caminho de Damasco, Jesus falou-lhe: "Saulo, Saulo, por que você está me
perseguindo?" (Atos 9: 4).
Jesus e Paulo nunca se
conheceram. Em vez de Jesus perguntar a Paulo por que ele estava perseguindo
Seus seguidores, Jesus se identificou tanto com os Seus seguidores que Ele
tomou todo o seu sofrimento sobre Si mesmo. Saulo não estava perseguindo o
seguidor de Cristo, ele estava perseguindo o próprio Deus, porque o cristão
está tão escondido na identidade de Cristo que não a diferença. Jesus se torna
parte de nossa história de terror, ele se coloca bem no meio dela. Ele sim pode
entrar nas nossos hipotéticos banheiros sangrentos e, às vezes, ele usa também uma
equipe externa de outros que foram livres para fazer o mesmo em nossas vidas
até a história de horror que criamos acabar definitivamente. Já temos as
primícias... mas queremos o fim do livro, o fim do filme: “Na esperança de que
também a mesma criatura será libertada da servidão da corrupção, para a
liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme
e está juntamente com dores de parto até agora. E não só ela, mas nós mesmos,
que temos as primícias do Espírito, também gememos em nós mesmos, esperando a
adoção, a saber, a redenção do nosso corpo. Porque em esperança fomos salvos.
Ora a esperança que se vê não é esperança; porque o que alguém vê como o
esperará? Mas, se esperamos o que não vemos, com paciência o esperamos.” – Rm 8.22-25.