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    Cristo Sustenta o Fraco - Richard Sibbes (1577-1635)




    Há uma especial bênção naquela pequena centelha. “Como quando se acha mosto num cacho de uvas, dizem: Não o desperdices, pois há bênção nele; assim farei por amor de meus servos” (Is 65.8). Vemos como nosso Salvador Cristo suportou Tomé em sua dúvida (João 20.27), e os dois discípulos que iam a Emaús, que vacilavam quanto a se ele veio para redimir a Israel ou não (Lucas 24.21). Ele não apagou aquela luz em Pedro, o qual não foi suprimido: esse o negou, mas ele não negou a Pedro (Lucas 22.61). “Se quiseres, podes”, disse um pobre homem no Evangelho (Mt 8.2). 

    “Se tu podes fazer alguma coisa”, disse um outro (Marcos 9.22). Ambos eram pavios que fumegavam. Nenhum deles foi apagado. Se Cristo houvesse permanecido em sua grandeza, ele teria rejeitado aquele que veio com o seu “se”. Porém, ele responde ao “se” dele com uma concessão graciosa e absoluta, “Quero; sê limpo”. A mulher que estava enferma de um fluxo não fez senão tocar, com uma mão trêmula, e só na orla de seu vestido, mas foi embora curada e consolada ao mesmo tempo. Nas sete igrejas (Ap 2 e 3), vemos que Cristo reconhece e acalenta tudo que era bom nelas. Porque os discípulos dormiram devido à enfermidade, estando oprimidos pela tristeza, nosso Salvador, Cristo, prepara-lhes uma confortável desculpa: “o espírito está pronto, mas a carne é fraca” (Mt 26.41). 

    Se Cristo não fosse misericordioso, ele malograria em seus próprios objetivos: “Mas contigo está o perdão, para que sejas temido” (Sl 130.4). Agora todos somos bem-vindos para vir sob aquele pendão de amor que ele espalha sobre os seus: “A ti virá toda a carne” (Sl 65.2). Ele usa de moderação e cuidado, “porque o espírito perante a minha face se desfaleceria, e as almas que eu fiz” (Is 57.16). O coração de Cristo se compadeceu, diz o texto, quando ele viu o povo sem comida, “para que não desfaleça no caminho” (Mt 15.32); muito mais ele terá consideração ao impedir nossos desfalecimentos espirituais. 

    SUSTENTA O FRACO 

    Aqui vemos as disposições opostas da santa natureza de Cristo e da natureza impura do homem. Esse, por um pouco de fumaça, apagará a luz. Cristo, nós vemos, sempre trata com carinho mesmo nos mais ínfimos começos. Como ele agüentou as muitas imperfeições de seus pobres discípulos! Se ele asperamente os confrontava, era em amor, e para que pudessem eles brilhar com mais intensidade. Podemos nós ter um melhor padrão para seguir do que esse dele, por quem esperamos ser salvos? “Mas nós, que somos fortes, devemos suportar as fraquezas dos fracos” (Rm 15.1). 

    “Fiz-me tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns” (1 Co 9.22). Ó, que houvesse mais dessa disposição para ganhar e vencer em alguns! Muitos, no que depende de nós, estão perdidos por falta de encorajamento. Veja como aquele fiel pescador de homens, o Apóstolo Paulo, labuta para conquistar seu juiz: “Sei que crês [nos profetas]” (Atos 26.27), e então lhe deseja todo bem salvífico, com exceção das cadeias. Ele podia tê-las acrescentado também, mas não queria desencorajar aquele a quem respondeu. Ele, portanto, desejava a Agripa somente aquilo que era bom na religião. Quão cuidadoso era nosso bendito Salvador para com os pequeninos, para que não fossem eles ofendidos! Como ele defende seus discípulos das maliciosas acusações dos fariseus! Quão cuidadoso era para não pôr vinho novo em odres velhos (Mt 9.17), para não alienar os noviços por causa das austeridades da religião (como alguns o fazem sem prudência). Ó, diz ele, eles terão tempo para jejuar quando eu tiver ido, e vigor para fazerem jejuns quando o Espírito Santo estiver sobre eles. 

    Não é o melhor caminho assaltar os novos iniciados com questões menores, mas mostrar-lhes um mais excelente caminho e treiná-los nos pontos fundamentais. Depois, não acreditarão em outras coisas. Não é errado esconder seus defeitos, desculpar algumas falhas, recomendar suas ações, encorajar seu progresso, remover-lhes todas as dificuldades do caminho, auxiliá-los de toda maneira para suportarem o jugo da religião com maior facilidade, trazê-los ao amor de Deus e ao seu serviço, para que eles não adquiram desgosto por ela antes que a conheçam. Na maior parte, vemos que Cristo implanta nos novos crentes um amor que chamamos “o primeiro amor” deles (Ap 2.4), para levá-los ao longo de sua profissão de fé com maior deleite, e não expô-los às cruzes antes que tenham reunido forças; como nós enterramos mudas e as cercamos do clima até que tenham raízes. Misericórdia para com outros deve nos mover a negar a nós mesmos em nossas liberdades com freqüência, caso ofendam os fracos. São os “pequeninos” que são ofendidos (Mt 18.6). Os mais fracos são mais prontos a se julgarem desprezados; portanto, devemos ser mais cuidadosos para lhes dar satisfação. 

    Seria uma boa disputa entre os cristãos, entre labutar para não cometer ofensa alguma, e a outra para não levar em conta nenhuma. Os melhores homens são severos para consigo mesmos, mas compassivos para com os outros. Todavia, as pessoas não devem se cansar e consumir a paciência dos outros: nem deve o mais fraco exigir moderação dos outros de modo a confiar na indulgência deles e assim descansar em suas próprias fraquezas, com perigo para suas próprias almas e escândalo à igreja. 

    Nem devem eles desprezar os dons de Deus nos outros, os quais a graça ensina honrar seja onde forem encontrados, mas saibam suas partes e lugar, e não se encarreguem de coisa alguma além de sua medida, as quais podem tornar suas pessoas e seu caso obnóxios ao ponto de desdém. Quando a cegueira e o atrevimento, a ignorância e a arrogância, a fraqueza e a obstinação, encontram-se nos homens, isso os torna odiosos a Deus, opressivos em sociedade, perigoso em seus conselhos, perturbadores dos melhores intentos, intratáveis e incapazes de melhor orientação, miseráveis no resultado. Onde Cristo mostra seu gracioso poder na fraqueza, ele o faz deixando que os homens entendam a si mesmos para que gerem humildade, e exaltem o amor de Deus a tais como eles o são. Ele o faz como um preservativo contra os desencorajamentos da fraqueza, para trazer os homens a uma menor distância da graça, como uma vantagem à pobreza de espírito, em vez da grandeza de condição e talentos, que dão à natureza corrupta combustível para o orgulho. Cristo a ninguém recusa pela fraqueza de talentos, para que ninguém fique descorçoado, mas a ninguém aceita pela grandeza, a fim de que ninguém seja elevado com aquilo que é de tão pouca estima para Deus. Não é grande coisa quão estulto o erudito fica quando Cristo assume a responsabilidade de ser o professor dele, ele que, assim como prescreve o que é para compreender, assim também dá a compreensão mesma, até ao mais simples. 

    A igreja sofre muito por parte dos fracos, portanto, podemos defender nossa liberdade para lidar com eles, ainda que com indulgência, todavia, amiúde diretamente. O escopo do verdadeiro amor é melhorar a outra parte, algo que o encobrimento freqüentemente impede. Com alguns, um espírito de docilidade persuade na maioria das vezes, mas com outros, um cajado. Alguns têm de ser arrebatados do fogo (Judas 23) com violência, e bendirão a Deus por nós no dia da visitação. Vemos que nosso Salvador multiplica desgraça sobre desgraça quando tem de tratar com hipócritas de corações endurecidos (Mt 23.13), pois eles necessitam de convicção mais forte do que os pecadores desabridos, porque sua vontade é má e, por conseguinte, comumente sua conversão é violenta. Um nó duro deve ter uma cunha correspondente, de outro modo, em cruel lástima, traímos suas almas. Uma reprimenda severa por vezes é uma preciosa pérola e um doce bálsamo. As feridas dos pecadores cheios de confiança não serão curadas com palavras doces. O Espírito Santo veio tanto em línguas de fogo quanto na semelhança de pomba, e o mesmo Espírito concederá um espírito de prudência e circunspeção, que é o sal para temperar todas as nossas palavras e ações. E tal sabedoria ensinar-nos-á “a dizer a seu tempo uma boa palavra” (Is 50.4), tanto à alma fatigada quanto à autoconfiante igualmente. 

    E, de fato, ele carece de “uma língua erudita” a qual, ou levantará ou lançará ao chão, ainda que aqui fale eu de docilidade para com aqueles que estão fracos e sensíveis a ela. Esses, devemos levar com gentileza, e guiar suavemente, como Jacó fazia com seu gado (Gn 33.14), de acordo com os passos deles, e na medida que suas crianças eram aptas a agüentar. 

    Os cristãos fracos são como copos que, em uso, quebram-se com a menor violência, contudo, se delicadamente manejados, continuarão por um longo tempo. Essa honra do uso com delicadeza nós damos aos vasos mais fracos (1 Pe 3.7), pelos quais preservaremos ambos e, da mesma forma, tornamo-los úteis à igreja e a nós mesmos. 

    Em corpos enfermos, se todos os maus humores forem purgados, você purgará a vida e tudo o mais. Logo, embora Deus diga “purificarei [a eles], como se purifica a prata” (Zc 13.9), também disse “te purifiquei, mas não como a prata” (Is 48.10), isto é, não com tanta exatidão de modo a não deixar nenhum refugo remanescente, pois que tem respeito pela nossa fraqueza. O refinamento perfeito é para o outro mundo, para o mundo das almas dos homens perfeitos.