Heresias de vários tipos
não são novas. Durante a Reforma havia um profeta chamado Thomas Munster, que acreditava ser a Bíblia muito difícil de
interpretar. Era preciso um intérprete sacro, o qual não era a Igreja, mas o testemunho
interno do Espírito.
A Bíblia, declarava
ele, era apenas papel e tinta. "Bíblia, Babel, bolha!",
proclamava. Usando a mesma Escritura como os atuais supostos profetas, ele
justificava sua posição doutrinária com a declaração: "... a letra mata, e o Espírito vivifica" (2 Co 3.6). Lutero respondeu que a letra sem o Espírito estava morta, mas ambos
não devem estar mais separados que a alma do corpo. Lutero disse que ele
precisava de uma palavra firme de Deus,
não as experiências fantásticas de
um profeta dos dias de hoje.
Quanto aos sonhos,
visões e revelações de Munster,
Lutero, lembrando que o Espírito Santo é representado na Bíblia como pomba,
disse que não daria ouvidos a Munster, mesmo que "ele tivesse engolido o
Espírito Santo, com penas e tudo". Munster se tornou o pai de todos os que crêem
na infusão do Espírito que deixa de lado as Escrituras.
A Bíblia corretamente interpretada
não nos permite torcer seus ensinos para se ajustar aos nossos desejos. Se a interpretarmos
imparcialmente, ela não nos permitirá crer em toda e qualquer coisa. Como diz Jay Adams, a Bíblia se engaja no que se
chama ensino antitético:
Na Bíblia, onde a
antítese é tão importante, o discernimento — a habilidade de distinguir os
pensamentos e caminhos de Deus de todos os outros — é essencial. O Senhor
afirma que "o sábio de coração será
chamado prudente" (Pv 16.21).
Do jardim do Éden, com
suas duas árvores (uma permitida, outra proibida), ao destino eterno do ser humano
no céu ou no inferno, a Bíblia apresenta dois, e somente dois caminhos: o de
Deus e o de todos os outros.
Adequadamente, está
dito que as pessoas devem ser salvas ou perdidas. Pertencem ao povo de Deus ou
ao mundo. Havia Gerizim, o monte da bênção, e Ebal, o monte da maldição. Há o
caminho estreito e o largo, levando ou à vida eterna ou à perdição eterna. Há
os que são contra nós e os que são a nosso favor, os de dentro e os de fora. Há
vida e morte, verdade e mentira, bom e ruim, luz e escuridão, o Reino de Deus e
o reino de Satanás, amor e ódio, sabedoria espiritual e sabedoria do mundo. Está
escrito que Jesus é o caminho, a verdade e a vida, e ninguém vai ao Pai senão
por Ele. Seu é o único nome debaixo do céu, pelo qual importa que sejamos
salvos.
Para "fazer
teologia", como se costuma dizer, temos de empregar o pensamento antitético. Isso significa que se afirmamos uma
doutrina, também temos de negar seu
oposto. Tal raciocínio é a base de toda racionalidade; é uma função necessária
da mente humana. Não só isso, também é consistente com os ensinos da Bíblia.
Por exemplo,
consideremos a declaração: "Só a
Biblia é a Palavra de Deus para o homem". Se esta afirmação for
verdadeira, exclui todas as outras fontes de revelação e autoridade. Exclui as
tradições do catolicismo romano como meio de revelação; exclui o livro dos
Mórmons, o Alcorão e o Vedas. Também exclui os escritos de Ellen G. White e os
de Mary Baker Eddy...
Nós, que acreditamos
ser a Biblia a fonte única da revelação
de Deus, não esperamos que revelação adicional
passe pelos lábios de gurus, profetas, evangelistas e pregadores da fé.
Ninguém jamais pode afirmar que Deus lhe revelou algo novo sobre o Espírito
Santo, ou Jesus Cristo, ou profecia. Cremos que pode haver aprofundamento na
compreensão, mas somos limitados pelas palavras de Deus nas páginas das
Sagradas Escrituras.
Assim que aceitamos a
Bíblia como a base única de toda
doutrina, descobrimos que ela própria nos ajuda a definir que doutrinas são
inegociáveis. Não ficamos sozinhos para decidir onde deve ser traçada a linha
limítrofe entre a verdade e o erro. O Novo Testamento, ao longo de suas
páginas, nos assevera constantemente que a doutrina da salvação — e o
agrupamento de doutrinas que a apóiam — é de importância extrema. Isto faz
sentido quando percebemos que a pergunta mais importante a ser respondida é
como podemos estar certos de que passaremos a eternidade com Deus.
Paulo advertiu aos
crentes na Galácia que alguns entre eles estavam tentando perverter o evangelho
de Cristo. E acrescentou: "Mas,
ainda que nós mesmos ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho além do que
já vos tenho anunciado, seja anátema. Assim como já vo-lo dissemos, agora de
novo também vo-lo digo: se alguém vos anunciar outro evangelho além do que já
recebestes, seja anátema" (Gl
1.8,9).
Imagine! Um anjo nos
aparece e diz que o caminho para o céu é ser uma pessoa amorosa e decente. Você
ficaria surpreso com quantos que creriam em tal revelação. Paulo diria: "Malditas sejam tais revelações!"
Paulo confrontou Pedro
apenas porque ele deu a impressão errada
sobre o evangelho. Veja o que aconteceu: Pedro deixou de comer com os gentios
quando os judaizantes apareceram em cena, dando a impressão de que ele tomava o
partido dos mestres que defendiam que temos de ser salvos por Cristo mais o
cumprimento da lei. Até onde sabemos, Pedro nunca disse uma palavra sobre o
conteúdo do evangelho; apenas se recusou a comer com os que criam que o evangelho
era um dom gracioso de Deus pela fé.
Paulo ficou furioso! A
simples impressão de Pedro de que os judaizantes poderiam estar certos foi
razão suficiente para Paulo confrontá-lo publicamente.
Erwin W. Lutzer