O pecado penetra no
mais íntimo do nosso ser, o pecado está no âmago da alma humana. "Porque
do coração procedem maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos,
falsos testemunhos, blasfêmias. São estas coisas que contaminam o homem"
(Mt 15.19, 20). "O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, eo mau
do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração"
(Lc 6.45).
No entanto, o pecado
não é uma fraqueza ou um vício pelo qual não somos responsáveis. É um
antagonismo ativo e intencional contra Deus. Os pecadores livre e
prazerosamente optam pelo pecado. Está na natureza humana amar o pecado e odiar
a Deus. "O pendor da carne é inimizade contra Deus" (Rm 8.7).
Em outras palavras, o
pecado é rebeldia contra Deus. Os pecadores raciocinam no próprio coração:
"Com a língua prevaleceremos, os lábios são nossos; quem é o Senhor sobre
nós?" (SI 12.4, ênfase acrescentada). Isaías 57.4 caracteriza os pecadores
como crianças rebeldes que abrem sua enorme boca e mostram a língua para Deus.
O pecado destronaria Deus, o destruiria e colocaria o ego no seu lugar de
direito. Todo pecado é, em último caso, um ato de orgulho, que diz: "Dê o
lugar, Deus, eu estou no comando". Por isso é que todo pecado, no seu
âmago, é uma blasfêmia.
Para começar, amamos
nosso pecado; temos prazer nele, buscamos oportunidades para praticá-lo. No
entanto, por sabermos instintivamente que somos culpados diante de Deus,
inevitavelmente tentamos camuflar ou negar nossa própria pecaminosidade. Há
muitas maneiras de fazer isso, como observamos nos capítulos anteriores. Elas
podem ser resumidas, grosso modo, a três categorias: encobri-lo, justificar-nos
e ignorá-lo.
Primeiro, tentamos
encobrir o pecado: Adão e Eva fizeram isso no Jardim, depois de ter pecado:
"Abriram-se, então, os olhos de ambos; e, percebendo que estavam nus,
coseram folhas de figueira e fizeram cintas para si" (Gn 3.7) — então se
esconderam da presença do Senhor (v. 8). O rei Davi tentou em vão encobrir sua
culpa quando pecou contra Urias. Ele tinha adulterado com a esposa de Urias,
Bate-Seba. Quando ela ficou grávida, primeiro Davi tramou um plano tentando
fazer parecer que Urias era o pai da criança (2Sm 11.5-13). Quando o plano não
funcionou, ele conspirou para que Urias fosse morto (vs. 14-17). Isso somente
agravou o seu pecado. Durante todos os meses da gravidez de Bate-Seba, Davi
continuou encobrindo o seu pecado (2Sm 11.27). Mais tarde, quando Davi foi
confrontado com seu pecado, ele se arrependeu e confessou: "Enquanto calei
os meus pecados, envelheceram os meus ossos pelos meus constantes gemidos todo
o dia. Porque a tua mão pesava dia e noite sobre mim, e o meu vigor se tornou
em sequidão de estio" (SI 32.3, 4).
Segundo, tentamos nos
justificar. O pecado é sempre culpa de alguém. Adão culpou Eva, e a descreveu
como "a mulher que me deste" (Gn 3.12; ênfase acrescentada). Isso
mostra que ele também culpava a Deus. Ele não sabia o que era uma mulher até
acordar casado com uma! Deus, raciocinou ele, era o responsável pela mulher que
o vitimizou. Da mesma maneira, nós nos desculpamos pelos nossos erros porque
pensamos que a culpa é de outra pessoa. Ou argumentamos ter um bom motivo.
Convencemos a nós mesmos que é correto retribuir o mal com o mal. (cf. Pv 24.29;
lTs 5.15; IPe 3.9). Ou então pensamos que se os motivos finais são bons, o mal
pode ser justificado — raciocínio errado de que os fins justificam os meios (Rm
3.8). Chamamos o pecado de desequilíbrio, rotulamos a nós mesmos de vítimas ou
negamos que os nossos atos sejam pecaminosos. A mente humana é de uma
criatividade sem-fim quando se trata de encontrar mecanismos para justificar o
mal.
Terceiro, ignoramos
nosso próprio pecado. Sempre pecamos por ignorância ou presunção. Por isso Davi
orou: "Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que
me são ocultas. Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine;
então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão". (SI
19.12, 13). Jesus nos advertiu sobre a loucura de tolerar uma trave nos nossos
olhos e nos preocuparmos com um argueiro no olho do outro (Mt 7.3). Pelo fato
de o pecado ser tão difuso, nós naturalmente tendemos a nos tornar insensíveis
ao nosso próprio pecado, do mesmo modo que o gambá não é incomodado pelo seu
próprio mau cheiro. Até mesmo uma consciência supersensível pode não saber
todas as coisas (cf. ICo 4.4).
O pecado não se
expressa necessariamente por atos. Atitudes pecaminosas, disposições
pecaminosas, desejos pecaminosos e um estado pecaminoso de coração são tão
repreensíveis quanto as ações que ele produz. Jesus disse que a ira é tão
pecaminosa quanto o homicídio, e a concupiscência tanto quanto o adultério (Mt
5.21-28).
O pecado é de tal
maneira enganoso que torna o pecador insensível contra sua própria perversidade
(Hb 13.3). E natural desejarmos minimizar nosso pecado, como se ele não fosse
de fato uma grande coisa. Afinal de contas, dizemos a nós mesmos, Deus é
misericordioso e amoroso, não é? Ele compreende nosso pecado e não pode ser tão
duro conosco, não é mesmo? Mas raciocinar dessa maneira é deixar-se ludibriar
pela astúcia do pecado.
O pecado, de acordo com
as Escrituras, é "a transgressão da lei" (1 Jo 3.4). Em outras
palavras, "aquele que pratica o pecado também transgride a lei, porque o
pecado é a transgressão da lei". Pecado, portanto, é qualquer falta de
conformidade com o perfeito padrão moral de Deus. A exigência central da lei de
Deus é que o amemos: "Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de
toda a tua alma, de todas as tuas forças e de todo o teu entendimento" (Lc
10.27). Sendo assim, a falta de amor a Deus é a epítome de todo pecado.
Mas "o pendor da
carne é inimizade contra Deus, pois não está sujeito à lei de Deus, nem mesmo
pode estar" (Rm 8.7). Nossa aversão natural à lei é tal que mesmo sabendo
o que a lei requer, ela suscita em nós uma ânsia pela desobediência. Paulo
escreveu: "as paixões pecaminosas postas em realce pela lei... eu não
teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei; pois não teria eu conhecido
a cobiça, se a lei não dissera: Não cobiçarás" (Rm 7.5-7). A inclinação do
pecador pelo pecado é tal que este o controla. Ele é escravo do pecado, porém o
busca com uma fome insaciável e com toda paixão do seu coração.