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    Ordo Salutis – R. C. Sproul




    Estamos tratando aqui da ordem da salvação ( ordo salutis ). Notamos que predestinação antecede ao chamado. Se o chamado antecedesse à predestinação, poderia ser defendida uma causa a favor de visão presciente. Assim poderia ser presumido que predestinação é baseada em chamado em vez de chamado em predestinação (embora a diferença entre o chamado externo e o chamado interno ainda ficaria problemática).

    A teologia reformada entende a corrente dourada como significando que Deus predestina algumas pessoas para receberem um chamado divino que outros não recebem. Só os predestinados, ou os eleitos, recebem esse chamado, e só aqueles que recebem esse chamado são justificados. Um processo de seleção está claramente envolvido aqui. Nem toda pessoa é predestinada para receber esse chamado, a consequência da qual é a justificação. Semelhantemente fica claro que só aqueles que são predestinados são justificados. Visto que justificação é por fé, nós entendemos que só os predestinados terão fé em algum tempo. A visão presciente mantém que somos eleitos porque teremos fé. A visão reformada mantém que somos eleitos para a fé e a justificação. Fé é uma condição necessária para salvação, mas não para eleição. A visão presciente faz a fé ser uma condição para eleição. A teologia reformada vê fé como o resultado de eleição. Essa é a diferença fundamental entre eleição condicional e eleição incondicional, entre todas as formas de semipelagianismo e agostinianismo, entre arminianismo e calvinismo.

    Teólogos reformados entendem a corrente dourada do seguinte modo: desde toda a eternidade Deus pré-conheceu os seus eleitos. Ele teve uma idéia de sua identidade em sua mente antes de criá-los. Ele os pré-conheceu não só no sentido de ter uma idéia antecipada de suas identidades pessoais, mas também no sentido de amá-los de antemão. Quando a Bíblia fala de "conhecer", muitas vezes ela distingue entre uma simples percepção mental de uma pessoa e um amor profundo íntimo de uma pessoa. A visão reformada ensina que todos a quem Deus pré-conheceu ele também predestinou para serem interiormente chamados, justificados e glorificados.

    Deus, soberanamente, faz acontecer a salvação de seus eleitos, e somente de seus eleitos.

    A Corrente Dourada da Salvação

    PRÉ-CONHECIMENTO

     PREDESTINAÇÃO

    CHAMADO

    JUSTIFICAÇÃO

    GLORIFICAÇÃO

    A Confissão de Westminster declara:


    Pelo decreto de Deus e para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados para a vida eterna; e outros são preordenados para a morte eterna.

    Esses anjos e esses homens, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente designados; e seu número é tão certo e definido que não pode ser nem aumentado nem diminuído.

    Segundo o seu eterno e imutável propósito e segundo o conselho secreto e o beneplácito da sua vontade, Deus, antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa graça, ele os escolheu somente por sua livre graça e por seu amor, sem nenhuma previsão de fé ou de boas obras, ou de perseverança nelas, ou de qualquer coisa na criatura como condições ou causas que a isso o movesse.

    A Confissão explica detalhadamente o que se entende por eleição incondicional. As bases de nossa eleição não são algo previsto por Deus em nós, mas, antes, o bel-prazer de sua vontade soberana. Aqui a soberania de Deus se refere não só ao seu poder e autoridade como também à sua graça. Isso ecoa o que Paulo declara enfaticamente em Romanos:

    E não ela somente, mas também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai. E ainda não eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão. Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua misericórdia.

    Romanos 9.10-16

    Paulo lembra aos romanos o que Deus tinha declarado a Moisés: "Terei misericórdia de quem eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter compaixão". O princípio é o da soberania da misericórdia e graça de Deus. Por definição graça não é algo que é exigido que Deus tenha. É prerrogativa soberana dele conceder ou retê-la. Deus não deve graça a ninguém. Graça que é devida não é graça. Justiça impõe obrigação, mas graça, em sua essência, é voluntária e livre.

    A base na qual Deus escolhe os objetos de sua misericórdia é inteiramente o bel-prazer de sua vontade. Paulo torna isso claro: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade" (Ef 1.3-5).

    Que Deus escolhe de acordo com o bom prazer de sua vontade não significa que suas escolhas são por capricho ou arbitrárias. Uma escolha arbitrária é aquela por nenhuma razão. Embora a teologia reformada insista que a eleição de Deus não é baseada em nada previsto nas vidas dos indivíduos, isso não significa que ele faça a escolha por nenhuma razão mesmo. Simplesmente significa que a razão não é algo que Deus encontra em nós. Em sua vontade inescrutável, misteriosa, Deus escolhe por razões que só ele conhece. Ele escolhe conforme seu próprio prazer, que é direito divino dele. Seu prazer é descrito como seu bom prazer. Se algo agrada a Deus, deve ser bom. Não há mau prazer em Deus.

    Em todas as formas de semipelagianismo, em última análise, as bases da eleição de Deus repousam inevitavelmente sobre as ações de homens. Aqui é onde vemos a influência pervagante de pelagianismo sobre a igreja moderna.

    Paulo declara enfaticamente que a base de Deus eleger Jacó em lugar de Esaú não se achava nas ações de nenhum dos dois irmãos. A primeira coisa que notamos sobre a declaração do apóstolo é que ela se refere a indivíduos. Alguns têm argumentado que Paulo está se referindo em vez disso a nações ou grupos e que eleição não se aplica a indivíduos. Fora o fato que nações são compostas de indivíduos, o ponto saliente é que Paulo explica eleição citando como exemplos da eleição soberana de Deus dois indivíduos distintos, históricos. Esses indivíduos estavam tão próximos como duas pessoas podem estar. Não eram apenas irmãos de uma só família, eram irmãos gêmeos.

    Paulo diz que o decreto de eleição de Deus ocorreu antes que os meninos fossem nascidos ou tivessem feito qualquer coisa boa ou má. Por que o apóstolo diz isso? Qual é o objetivo didático ou literário de dizer que os gêmeos ainda não eram nascidos ou não tinham feito nada de bom ou mau? A visão presciente de eleição condicional concorda que a eleição de Deus ocorreu antes que os gêmeos fossem nascidos e antes que tivessem feito algo bom ou mau. Mas isso é trabalhar o óbvio.

    A visão presciente declara então que o decreto foi, não obstante, baseado nas ações e decisões dos gêmeos no futuro. O apóstolo não diz em parte nenhuma isso. Se Paulo tivesse a intenção de ensinar a visão presciente, ele poderia ter dito precisamente isso. Mas estamos tratando aqui com mais do que um argumento a partir de silêncio. Paulo torna claro que não foram as ações de Jacó ou Esaú que determinaram a soberana escolha de Deus de Jacó, acima de Esaú. "Não é daquele que quer, nem daquele que corre, mas de Deus que mostra misericórdia."

    Em arminianismo o fator decisivo na eleição é a vontade disposta do crente. Como poderia o apóstolo ter tornado isso mais claro, que este não é o caso em que dizer "não é daquele (por aquele) que quer"? Arminianos e semipelagianos no fim baseiam sua visão de eleição naquele que faz a opção e não na graça soberana de Deus. A visão presciente na eleição não é tanto uma explanação da doutrina bíblica de eleição como uma negação completa dessa doutrina bíblica.