Estamos tratando aqui
da ordem da salvação ( ordo salutis ). Notamos que predestinação antecede ao
chamado. Se o chamado antecedesse à predestinação, poderia ser defendida uma
causa a favor de visão presciente. Assim poderia ser presumido que
predestinação é baseada em chamado em vez de chamado em predestinação (embora a
diferença entre o chamado externo e o chamado interno ainda ficaria
problemática).
A teologia reformada
entende a corrente dourada como significando que Deus predestina algumas
pessoas para receberem um chamado divino que outros não recebem. Só os
predestinados, ou os eleitos, recebem esse chamado, e só aqueles que recebem
esse chamado são justificados. Um processo de seleção está claramente envolvido
aqui. Nem toda pessoa é predestinada para receber esse chamado, a consequência
da qual é a justificação. Semelhantemente fica claro que só aqueles que são
predestinados são justificados. Visto que justificação é por fé, nós entendemos
que só os predestinados terão fé em algum tempo. A visão presciente mantém que
somos eleitos porque teremos fé. A visão reformada mantém que somos eleitos
para a fé e a justificação. Fé é uma condição necessária para salvação, mas não
para eleição. A visão presciente faz a fé ser uma condição para eleição. A
teologia reformada vê fé como o resultado de eleição. Essa é a diferença
fundamental entre eleição condicional e eleição incondicional, entre todas as
formas de semipelagianismo e agostinianismo, entre arminianismo e calvinismo.
Teólogos reformados
entendem a corrente dourada do seguinte modo: desde toda a eternidade Deus
pré-conheceu os seus eleitos. Ele teve uma idéia de sua identidade em sua mente
antes de criá-los. Ele os pré-conheceu não só no sentido de ter uma idéia
antecipada de suas identidades pessoais, mas também no sentido de amá-los de
antemão. Quando a Bíblia fala de "conhecer", muitas vezes ela distingue
entre uma simples percepção mental de uma pessoa e um amor profundo íntimo de
uma pessoa. A visão reformada ensina que todos a quem Deus pré-conheceu ele
também predestinou para serem interiormente chamados, justificados e
glorificados.
Deus, soberanamente,
faz acontecer a salvação de seus eleitos, e somente de seus eleitos.
A Corrente Dourada da
Salvação
PRÉ-CONHECIMENTO
PREDESTINAÇÃO
CHAMADO
JUSTIFICAÇÃO
GLORIFICAÇÃO
A
Confissão de Westminster declara:
Pelo decreto de Deus e
para manifestação da sua glória, alguns homens e alguns anjos são predestinados
para a vida eterna; e outros são preordenados para a morte eterna.
Esses anjos e esses
homens, assim predestinados e preordenados, são particular e imutavelmente
designados; e seu número é tão certo e definido que não pode ser nem aumentado
nem diminuído.
Segundo o seu eterno e
imutável propósito e segundo o conselho secreto e o beneplácito da sua vontade,
Deus, antes que fosse o mundo criado, escolheu em Cristo para a glória eterna
os homens que são predestinados para a vida; para o louvor da sua gloriosa
graça, ele os escolheu somente por sua livre graça e por seu amor, sem nenhuma
previsão de fé ou de boas obras, ou de perseverança nelas, ou de qualquer coisa
na criatura como condições ou causas que a isso o movesse.
A Confissão explica
detalhadamente o que se entende por eleição incondicional. As bases de nossa
eleição não são algo previsto por Deus em nós, mas, antes, o bel-prazer de sua
vontade soberana. Aqui a soberania de Deus se refere não só ao seu poder e
autoridade como também à sua graça. Isso ecoa o que Paulo declara enfaticamente
em Romanos:
E não ela somente, mas
também Rebeca, ao conceber de um só, Isaque, nosso pai. E ainda não eram os gêmeos
nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal (para que o propósito de Deus,
quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já
fora dito a ela: O mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei
Jacó, porém me aborreci de Esaú. Que diremos, pois? Há injustiça da parte de
Deus? De modo nenhum! Pois ele diz a Moisés: Terei misericórdia de quem me
aprouver ter misericórdia e compadecer-me-ei de quem me aprouver ter compaixão.
Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre, mas de usar Deus a sua
misericórdia.
Romanos
9.10-16
Paulo lembra aos
romanos o que Deus tinha declarado a Moisés: "Terei misericórdia de quem
eu quiser ter misericórdia, e terei compaixão de quem eu quiser ter
compaixão". O princípio é o da soberania da misericórdia e graça de Deus.
Por definição graça não é algo que é exigido que Deus tenha. É prerrogativa
soberana dele conceder ou retê-la. Deus não deve graça a ninguém. Graça que é
devida não é graça. Justiça impõe obrigação, mas graça, em sua essência, é
voluntária e livre.
A base na qual Deus
escolhe os objetos de sua misericórdia é inteiramente o bel-prazer de sua
vontade. Paulo torna isso claro: "Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor
Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual nas
regiões celestiais em Cristo, assim como nos escolheu, nele, antes da fundação
do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis perante ele; e em amor nos
predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meio de Jesus Cristo,
segundo o beneplácito de sua vontade" (Ef 1.3-5).
Que Deus escolhe de
acordo com o bom prazer de sua vontade não significa que suas escolhas são por
capricho ou arbitrárias. Uma escolha arbitrária é aquela por nenhuma razão.
Embora a teologia reformada insista que a eleição de Deus não é baseada em nada
previsto nas vidas dos indivíduos, isso não significa que ele faça a escolha
por nenhuma razão mesmo. Simplesmente significa que a razão não é algo que Deus
encontra em nós. Em sua vontade inescrutável, misteriosa, Deus escolhe por
razões que só ele conhece. Ele escolhe conforme seu próprio prazer, que é
direito divino dele. Seu prazer é descrito como seu bom prazer. Se algo agrada
a Deus, deve ser bom. Não há mau prazer em Deus.
Em todas as formas de
semipelagianismo, em última análise, as bases da eleição de Deus repousam
inevitavelmente sobre as ações de homens. Aqui é onde vemos a influência
pervagante de pelagianismo sobre a igreja moderna.
Paulo declara
enfaticamente que a base de Deus eleger Jacó em lugar de Esaú não se achava nas
ações de nenhum dos dois irmãos. A primeira coisa que notamos sobre a
declaração do apóstolo é que ela se refere a indivíduos. Alguns têm argumentado
que Paulo está se referindo em vez disso a nações ou grupos e que eleição não
se aplica a indivíduos. Fora o fato que nações são compostas de indivíduos, o
ponto saliente é que Paulo explica eleição citando como exemplos da eleição
soberana de Deus dois indivíduos distintos, históricos. Esses indivíduos estavam
tão próximos como duas pessoas podem estar. Não eram apenas irmãos de uma só
família, eram irmãos gêmeos.
Paulo diz que o decreto
de eleição de Deus ocorreu antes que os meninos fossem nascidos ou tivessem feito
qualquer coisa boa ou má. Por que o apóstolo diz isso? Qual é o objetivo
didático ou literário de dizer que os gêmeos ainda não eram nascidos ou não
tinham feito nada de bom ou mau? A visão presciente de eleição condicional
concorda que a eleição de Deus ocorreu antes que os gêmeos fossem nascidos e
antes que tivessem feito algo bom ou mau. Mas isso é trabalhar o óbvio.
A visão presciente
declara então que o decreto foi, não obstante, baseado nas ações e decisões dos
gêmeos no futuro. O apóstolo não diz em parte nenhuma isso. Se Paulo tivesse a
intenção de ensinar a visão presciente, ele poderia ter dito precisamente isso.
Mas estamos tratando aqui com mais do que um argumento a partir de silêncio.
Paulo torna claro que não foram as ações de Jacó ou Esaú que determinaram a
soberana escolha de Deus de Jacó, acima de Esaú. "Não é daquele que quer,
nem daquele que corre, mas de Deus que mostra misericórdia."
Em arminianismo o fator
decisivo na eleição é a vontade disposta do crente. Como poderia o apóstolo ter
tornado isso mais claro, que este não é o caso em que dizer "não é daquele
(por aquele) que quer"? Arminianos e semipelagianos no fim baseiam sua
visão de eleição naquele que faz a opção e não na graça soberana de Deus. A
visão presciente na eleição não é tanto uma explanação da doutrina bíblica de
eleição como uma negação completa dessa doutrina bíblica.