"Paulo, servo de
Jesus Cristo, chamado para apóstolo, separado para o evangelho de Deus." -
Romanos 1:1
O que a carta aos
Romanos forja em nós? Pense nas pessoas que foram as primeiras a ter acesso a
esta carta. Que tipo de cultura e lugar elas viviam. Paulo escreve esta carta
para cristãos que estavam no olho do furacão. No centro do culto ao
Imperador... chamas de perseguição estavam em toda parte em Roma.
Hoje podemos sentir que
vivemos numa cultura cada vez mais hostil ao Evangelho, e sendo ainda muita
mais branda do que a hostilidade que eles experimentavam, como vemos hoje
cristãos facilmente capitulando aos acenos de conformação do mundo para evitar
todo sofrimento.
Paulo escreveu esta carta
a fim de tornar os cristãos fortes - “Porque desejo muito ver-vos, para vos
comunicar algum dom espiritual, a fim de que sejais fortalecidos” (Rm 1.11).
Alguns deles seriam
jogados aos leões, ou seriam despedaçados por gladiadores... muitos em Roma tiveram
seus corpos cobertos de óleo e foram incendiados... Eles suportaram todos os
tipos de abominações cruéis e inimagináveis para nós... Mas sobreviveram como
igreja, firmes na fé... porque as verdades desta carta os fizeram valentes pela
Verdade.
Esta carta é a
declaração mais básica e abrangente do verdadeiro cristianismo, e o Evangelho é
a força mais poderosa e transformadora na história da humanidade.
Ser cativado pela
Verdade profunda do Evangelho levaria aquelas pessoas a mais poderosa esperança
que um homem pode experimentar neste mundo. E o sofrimento é parte do chamado
deles, como também do nosso.
Sofrimento
e esperança. Deus tem muito a nos falar sobre essa
conexão em Romanos. Nós sofremos. Todo mundo sofre. O que é o sofrimento? É o
fato de ter algo em sua vida que você não queria que estivesse lá, mas que você
não pode mudar. Muitas vezes o sofrimento é o oposto disso, você não tem algo
em sua vida que você “precisa” desesperadamente, mas não pode ter.
Todos nós temos coisas
em nossas vidas que não queremos, e todos nós não temos coisas em nossas vidas
que precisamos.
Você não precisa ir
procurar o sofrimento, ele te acha. Uma doença imprevisível, seus negócios
afundando, a perda de alguém amado, casamento em crise, um filho rebelde
quebrando seu coração, e assim poderíamos fazer uma lista enorme. Em algum
momento o inimaginável vai encontrar você. Mas soma-se a isso, o sofrimento por
causa da Verdade – O que era verdade para eles, e será para nós se formos fiéis
ao nosso chamado para dar testemunho da verdade – não tendo uma fé privada –
mas pública e ousada.
Os que são “fortes”
podem dizer – Ok, vou começar de novo – outros não terão essa mesma
perspectiva. Mas nenhum dos dois casos, por fim, pode vencer. Mais sofrimentos
virão e virão... até que a morte chega.
Algo muito maior é dito
para nós sobre o sofrimento do que qualquer caminho – otimista ou pessimista –
que possamos estabelecer, e o único que faz toda diferença.
Quando sofremos Deus
nos dá um dom: “E não somente isto, mas também nos gloriamos nas tribulações;
sabendo que a tribulação produz a paciência, E a paciência a experiência, e a
experiência a esperança. E a esperança não traz confusão, porquanto o amor de
Deus está derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado.”
- Romanos 5:3-5
Deus no sofrimento nos
da o dom da novidade. Ele está abrindo uma porta para uma nova experiência de
seu amor. É sobre isso que Paulo está falando conosco aqui em Romanos. Um Deus
poderoso capaz de usar nossas experiências de profundo sofrimento para tornar
a ÚNICA esperança verdadeira mais real
para nós do que jamais poderíamos sonhar.
Deus não vai nos
proteger do sofrimento, ele quer mudar a forma como nós sofremos. Ele é capaz
de derramar o seu amor em nossos corações bem no meio dos nossos sofrimentos.
Mais do que isso, nos levar a nos gloriarmos em nossos sofrimentos... isso pode
parecer estranho, mas é a mais pura verdade.
E isso faz parte de
maneira inexorável do nosso discipulado. O sofrimento é, pois, a característica
dos seguidores de Cristo. Nenhum de nós está acima do nosso Mestre, fomos
chamados a sair após Ele levando o seu vitupério (Hb 13.13)
Mas isso só é possível
se vermos com clareza toda a Verdade bíblica – mais profundamente revelada aqui
em Romanos do que em qualquer outro lugar. Imagine toda a perspectiva de sofrimento
para todos os que foram chamados a proclamar a Verdade em Roma... e essa é a
realidade de todos os cristãos verdadeiros.
Nós vivemos hoje numa
sociedade terapêutica, onde quase todo o evangelho, ao se desviar das verdade
centrais da carta aos Romanos e ecoar o mundo, fez cristãos verem a igreja como
um centro de terapia e aconselhamento para lidarmos com qualquer pequeno
espinho que furou nosso dedo, como se isso fosse uma tragédia. Como lutaríamos
pela Verdade em Roma?
Num sermão a respeito
disso Calvino diz:
“TODAS as exortações
que nos são dadas para padecermos pacientemente pelo nome de Jesus Cristo e em
defesa do Evangelho não terão efeito, se não nos sentirmos seguros da causa pela qual lutamos.
Quando somos chamados a
nos desfazer da vida, é absolutamente necessário saber em que base. Não podemos
possuir a firmeza necessária, a menos que esteja fundamentada na certeza da
fé... é somente numa boa causa que Deus nos reconhece como seus mártires. A
morte é comum a todos, e os filhos de Deus são condenados à ignomínia c
torturas exatamente como os criminosos o são; mas Deus faz a distinção entre
eles, já que Ele não pode negar sua verdade. De nossa parte, exige-se que
tenhamos provas firmes e infalíveis da doutrina que defendemos; e, por
conseguinte, como eu disse, não podemos ser racionalmente impressionados pela
exortação que recebemos para sofrer perseguição pelo Evangelho, se nenhuma
certeza verdadeira de fé foi impressa em nosso coração.
Arriscar a vida numa
incerteza não é natural, e ainda que o fizéssemos, seria só precipitação e não
coragem cristã. Numa palavra, nada que fazemos será aprovado por Deus, se não
estivermos completamente persuadidos de que é para Ele e sua causa que sofremos
perseguição e o mundo é nosso inimigo.
Quando falo de tal
persuasão, não quero dizer meramente que temos de saber distinguir entre a
verdadeira do evangelho e os abusos ou loucuras dos homens que o corrompem, mas
também que devemos estar inteiramente persuadidos da vida divina e da coroa,
que nos é prometida nos céus, depois que tivermos lutado aqui na terra.
Entendamos que estes requisitos são necessários e não podem ser separados um do
outro.
Por conseguinte, os
pontos com os quais devemos começar são estes: Temos de saber bem qual é o
nosso cristianismo, qual é a fé que temos de defender e seguir — qual é a regra
que Deus nos deu; e, assim, temos de estar bem inteirados de tal instrução para
que sejamos capazes de condenar com ousadia todas as falsidades, erros e
superstições que Satanás introduziu para corromper a pura simplicidade da
doutrina de Deus.”
Esse é o objetivo de
Paulo, como vimos no verso 11: “Porque
desejo muito ver-vos, para vos comunicar algum dom espiritual, a fim de que
sejais fortalecidos.”
Calvino continua: “O
que então deve ser feito para inspirar nosso peito com a verdadeira coragem?
Temos, em primeiro lugar, de considerar quão preciosa é a confissão de nossa fé
aos olhos de Deus. Pouco sabemos o quanto Deus preza isso, se nossa vida, que
não é nada, é estimada mais altamente por nós. Quando isso se dá, manifestamos
maravilhoso grau de estupidez. Não podemos salvar nossa vida à custa de nossa
confissão sem reconhecermos que a mantemos em mais alta estima que a honra de Deus...
Um pagão poderia dizer:
"Foi coisa miserável salvar a vida deixando as únicas coisas que tornavam
a vida desejável!" E, não obstante, tal indivíduo e outros como ele nunca
souberam por que propósito os homens são colocados no mundo, e por que vivem
aqui. Sabemos muito bem qual deve ser a principal meta de vida, isto é,
glorificar a Deus, para que Ele seja nossa glória. Quando isso não é feito, ai
de nós! Não podemos continuar vivendo por um único momento na terra sem
amontoarmos outras maldições sobre nossas cabeças. Contudo, não estamos
envergonhados de obter alguns dias para nos enlanguescer aqui embaixo,
renunciando o Reino eterno ao nos separarmos dEle, por cuja energia somos
sustentados em vida.
Mas como a perseguição
sempre é severa e amarga, consideremos: Como e por quais meios os cristãos
podem se fortalecer com paciência, para resolutamente exporem a vida pela
verdade de Deus. O apóstolo diz: ''Saiamos
da cidade para o Senhor Jesus, levando seu vitupério". (Hb 13.13).
Ele nos lembra que,
embora as espadas não sejam desembainhadas contra nós, nem o fogo aceso para
nos queimar, não podemos ser verdadeiramente unidos ao Filho de Deus, enquanto
estamos arraigados neste mundo. Portanto, um cristão, mesmo em repouso, sempre
tem de ter um pé pronto a marchar para a batalha, e não só isso, mas tem de ter
seus afetos retirados do mundo, ainda que o corpo esteja habitando aqui.”
Os primeiros cristãos
que leram a carta aos Romanos foram levados a esse tipo de vida... não deve ser
diferente conosco.
Dietrich Bonhoeffer –
que foi martirizado por Hitler em 09 de abril de 1945 com 39 anos diz:
“O discípulo não está
acima de seu mestre, o sofrimento é obrigatório. Por isso, Lutero incluiu o
sofrimento no rol dos sinais da verdadeira Igreja. Um anteprojeto da Confessio
Augustana definiu a Igreja como comunidade dos que são "perseguidos e
martirizados por causa do Evangelho". Quem não quiser tomar sobre si a
cruz, quem não quiser expor sua vida ao sofrimento e à rejeição por parte dos
seres humanos, perde a comunhão com Cristo e não é seu discípulo. Quem, porém,
perder sua vida no discipulado, no carregar da cruz, tornará a encontrá-la no
próprio discipulado, na comunhão da cruz com Cristo. O oposto do discipulado é
envergonhar-se de Cristo, envergonhar-se da cruz, escandalizar-se por causa da
cruz.
O discipulado é união
com o Cristo sofredor. Por isso, nada há de estranho no sofrimento do cristão; antes,
é graça, é alegria. Os relatos sobre os primeiros mártires da Igreja
testemunham que Cristo transfigura para os seus o momento extremo do suplício
com a certeza indescritível de sua proximidade e comunhão. Assim, nos tormentos
mais atrozes sofridos por amor a Cristo, os mártires experimentaram a máxima
alegria e bem-aventurança da comunhão com seu Senhor. Suportar a cruz se lhes
revelou como a única maneira de triunfar sobre o sofrimento. Isto, porém,
aplica-se a todos quantos seguem a Cristo, porque foi igualmente válido para
ele. A cruz é sua vitória.”
O fato é que se não
sofremos bem pela Verdade e em todas as circunstâncias da vida, sequer
começamos a engatinhar pelo livro de Romanos.
O sofrimento é, então,
visto como uma vocação que nos prepara para a glória com Cristo ao nos
aproximar da santidade de ser como Cristo, em nossa reação à nossa experiência
de querer o que não temos, enquanto temos o que não queremos.
A
Carta aos Romanos Faz fracos fortes. De que maneiras?
É o que veremos no
próximo passo em nossa longa viagem em Romanos.