Há uma ideia popular de que a
oração é uma coisa muito fácil, uma espécie de atividade comum que pode ser
feita de qualquer forma, sem nenhum cuidado ou esforço. Alguns pensam que
somente é necessário pegar um livro, utilizar certo número de palavras
atraentes, e assim terá orado, podendo então guardá-lo novamente. Outros
supõem que usar um livro é coisa supersticiosa, e aquilo que se deveria fazer é
repetir uma série de frases improvisadas, frases essas que viriam à mente de
súbito como uma manada de porcos ou uma matilha de cães, e uma vez tendo-as
pronunciado com certa atenção, pronto, a oração foi feita.
Ora, nenhum desses modos de
orar foi adotado pelos santos do passado. Parece que eles pensaram muito mais
seriamente sobre oração do que muitos pensam em nossos dias. Parece ter sido
algo importantíssimo para eles - um exercício constantemente praticado, no
qual alguns deles atingiram grande eminência e foram, dessa forma,
singularmente abençoados. Ceifaram grandes colheitas no campo da oração e
descobriram que o propiciatório é uma mina de tesouros inimagináveis.
Os santos do passado tiveram o
costume de colocarem em ordem, como Jó, sua causa diante de Deus. Assim como um
peticionário não vai a uma corte impulsivamente, sem antes pensar no que vai
dizer, mas entra na sala de audiências com seu processo bem preparado, tendo
também aprendido como deve se comportar diante da grande autoridade a quem vai
apelar, da mesma forma é bom que nos aproximemos do trono do Rei dos reis,
tanto quanto possível, com premeditação e preparação, sabendo o que fazemos,
qual a nossa posição e o que desejamos obter. Em tempos de perigo e aflição
podemos correr para Deus da forma como estamos, assim como a pomba voa para uma
fenda na rocha, mesmo que suas penas estejam arrepiadas; mas em tempos normais
não deveríamos nos aproximar dEle com espírito despreparado, assim como uma
criança não se aproxima do seu pai pela manhã sem antes ter lavado o rosto.
Veja ali o sacerdote; ele tem
um sacrifício para oferecer, porém não se apressa para o pátio dos sacerdotes a
fim de picar o novilho com o primeiro machado em que puder pôr a mão. Pelo
contrário quando se levanta lava seus pés na bacia de bronze, coloca suas
vestimentas e se enfeita com seus trajes sacerdotais. Então ele se achega ao
altar com sua vítima adequadamente dividida de acordo com a lei. Sendo
cuidadoso em fazer de conformidade com o mandamento, mesmo em coisas simples
tais como onde colocar a gordura, o fígado e os rins. Ele põe o sangue numa
bacia, derrama-o num lugar apropriado aos pés do altar, não o jogando de forma
que mais lhe agrade, e acende o fogo, não com chama comum, e sim com o fogo
sagrado retirado do altar. Atualmente todo este ritual foi superado, mas a
verdade que ele ensinava permanece a mesma; nossos sacrifícios espirituais
devem ser oferecidos com santo cuidado. Deus nos livre de que nossa oração
seja somente saltar da cama, ajoelhar-nos e dizer qualquer coisa que venha à
mente. Pelo contrário, que possamos esperar no Senhor com santo temor e
reverência.
Veja como Davi orou quando Deus
o abençoou - ele entrou na presença do Senhor. Compreenda isso. Ele não ficou
de fora a uma certa distância, porém entrou na presença do Senhor e sentou-se
(pois sentar-se não é posição errada para orar, ainda que critiquem contra
isso) e uma vez sentado, calma e tranquilamente diante do Senhor, começou a
orar. Todavia, ele não fez isso sem antes pensar na bondade divina. Dessa
maneira chegou ao espírito de oração. Daí, pela assistência do Espírito Santo,
abriu sua boca. Oxalá buscássemos mais freqüentemente o Senhor desse modo!
Davi se expressa da seguinte
forma: "Pela manhã ouvirás a minha voz, ó Senhor; pela manhã me
apresentarei a ti, e vigiarei" (Salmo 5:3). Sempre lhes tenho explicado
isso como significando pôr em ordem de batalha seus pensamentos tais quais homens
de guerra, ou apontar suas orações como se fossem flechas. Davi não apanhava
uma flecha para colocá-la na corda do arco e atirá-la em qualquer direção, mas
tendo apanhado a flecha escolhida e a colocado na corda, ele se fixava no alvo.
Olhava - olhava bem - para o círculo branco do alvo; mantinha seu olho fixo no
mesmo, dirigia sua oração, então puxava o arco com toda sua força e deixava a
flecha voar. Uma vez em pleno vôo, tendo ela deixado suas mãos, o que diz ele?
"Olharei para cima." Olhava para cima a fim de ver aonde a flecha foi
e saber que efeito havia causado, pois esperava resposta as suas orações e não
era como muitos que raramente pensam em suas orações depois de as haverem
proferido. Davi sabia que tinha diante de si uma obrigação que requeria toda a
sua capacidade mental; ele punha em ordem de batalha suas faculdades e partia
para a obra de maneira esmerada, como alguém que cria na mesma e desejava obter
sucesso. Deveríamos tanto arar cuidadosamente como orar cuidadosamente. Quanto
melhoro trabalho mais atenção ele merece. Ser diligente na sua loja e
negligente no lugar de oração, é nada menos do que blasfêmia, pois é uma
insinuação de que qualquer coisa servirá para Deus, enquanto que o mundo deve
ter o melhor de nós.
Se alguém me perguntar qual a ordem
a ser observada em oração, eu não darei um esquema como muitos têm feito, no
qual a adoração, confissão, petição, intercessão e louvor estão arranjados numa
sucessão. Não estou convencido de que uma ordem desse tipo tenha autoridade
divina. Não é à ordem mecânica que estou me referindo, pois nossas orações
serão igualmente aceitáveis, e talvez igualmente apropriadas, em quaisquer
formas, posto que existem, exemplos de orações, de todos os tipos, tanto no
Velho como no Novo Testamento.
A verdadeira ordem espiritual
da oração parece-me consistir em algo mais do que um mero arranjo. É muito
apropriado para nós sentirmos que agora estamos fazendo algo real; sentirmos
que estamos nos dirigindo a Deus, a Quem não podemos ver, porém que está
realmente presente; a Quem não podemos tocar ou ouvir, nem por meio de nossos
sentidos perceber, a Quem, entretanto, está conosco tão realmente como se
estivéssemos falando com um amigo de carne e osso. Sentindo a realidade da
presença de Deus, nossa mente será conduzida pela graça divina a um estado de
humildade; sentir-nos-emos como Abraão quando disse: "Eis que agora me
atrevi a falar ao Senhor, ainda que sou pó e cinza". Assim sendo, não
faremos nossas orações como garotos que repetem suas lições de forma rotineira,
muito menos falaremos como se fôssemos rabinos instruindo nossos alunos, ou
como alguns fazem, com a aspereza de um assaltante parando alguém na estrada e
obrigando-o a entregar-lhe sua bolsa; mas seremos humildes suplicantes, embora
ousados, humildemente importunando a misericórdia mediante o sangue do
Salvador. Não teremos a reserva de um escravo, mas a cândida reverência de uma
criança, contudo não uma criança impudente, impertinente, e sim uma criança
obediente e dócil, honrando seu Pai, e portanto rogando sinceramente, com
respeitosa submissão à vontade de seu Pai. Quando sinto que estou na presença
de Deus e tomo o meu devido lugar ali, a próxima coisa que faço é reconhecer
que não tenho direito algum àquilo que estou buscando e não posso recebê-lo, exceto
como um dom da graça. Devo reconhecer também que Deus limita o canal através do
qual me concede misericórdia - Ele o fará por meio do Seu amado Filho.
Portanto, quero me colocar sob a proteção do grande Redentor. Quero sentir que
agora não sou mais eu que falo, mas Cristo fala comigo e que, enquanto suplico,
faço-o através de Suas chagas, Sua vida, Sua morte, Seu sangue e Seu ser. É
dessa maneira que realmente alcançamos uma ordem na oração.
O que devo pedir? É muito
apropriado que, na oração, objetivemos uma grande clareza nas súplicas. Há
muitos motivos para deplorar sobre certas orações feitas em público, pois
aqueles que as fazem realmente não pedem nada a Deus. Preciso admitir que eu
mesmo tenho orado assim, e certamente tenho escutado muitas orações desse tipo,
nas quais tive a impressão que nada foi pedido a Deus. Muito de excelentes
assuntos doutrinários e experimentais foi enunciado, mas bem poucas súplicas e
esse pouco de um modo nebuloso, caótico e disforme. Todavia, parece-me que a
oração deve ser clara, o pedir por alguma coisa definida e claramente, pois a
mente percebe sua necessidade premente de tal coisa, e portanto deve suplicar
por ela. Não é bom usar de rodeios na oração, mas ir direto ao assunto. Eu
gosto daquela oração de Abraão: "Oxalá viva Ismael diante de ti!" Ele
menciona o nome e a pessoa pela qual está orando e a bênção desejada, tudo isso
em poucas palavras - "Ismael viva diante de ti!" Muitas pessoas
teriam usado uma expressão cheia de rodeios, tal como esta: "Oh que nossa
prole possa ser agraciada com o favor que Tu dispensas para aqueles
que..." etc. Diga "Ismael", se você quiser dizer
"Ismael"; coloque isso em palavras simples diante do Senhor. Algumas
pessoas não podem sequer orar pelo pastor sem usar certos adjetivos de tal
forma que pensaríamos ser o bedel da paróquia ou alguém que não poderia ser
mencionado tão particularmente.
Porque não sermos claros e
dizermos o que pensamos, e pensarmos o que queremos dizer? Ordenar nossa causa
nos levaria a uma maior clareza de pensamento. Quando em particular, não é
necessário pedir todos os bens possíveis e imagináveis; não é necessário
recitar o catálogo de todos os desejos que você tem, teve, pode ter ou terá.
Peça o que precisa no momento e, como regra, atenha-se à tua necessidade da
hora; peça pelo pão de cada dia - o que deseja no momento - peça isso. Peça-o
sem rodeios, diante de Deus, que não repara em tuas expressões rebuscadas, para
Quem tua eloqüência e oratória não serão mais do que puro vaidade. Você está
diante do Senhor; sejam poucas as tuas palavras, mas seja cheio de fervor teu
coração.
Você ainda não terá posto as
coisas em ordem quando ti ver pedido o que deseja através de Jesus Cristo. É
preciso examinar a bênção que deseja para saber se ela é algo apropriado a ser
pedido, pois algumas orações jamais seriam feitas se os homens apenas
refletissem. Uma pequena reflexão nos faria ver que seria melhor se certas
coisas que desejamos fossem postas de lado. Além disso, podemos terem nosso
íntimo um motivo que não vem de Cristo - motivo egoísta - que esquece da glória
de Deus e só se preocupa com nosso próprio alívio e conforto. Ora, embora
possamos pedir coisas que sejam para nosso proveito, não devemos permitir que
nosso proveito interfira, de maneira alguma, com a glória de Deus. Deve haver
junto com a oração aceitável o santo sal da submissão à vontade divina. Gosto
destas palavras de Lutero: "Senhor, terei aquilo que quero de Ti".
"Como você gosta de uma expressão como essa"? -você me pergunta. Gosto
por causa do que se segue: "Terei o que desejo, pois sei que a minha
vontade é a Tua vontade". Lutero se expressou muito bem, mas sem as
últimas palavras teria sido uma ímpia presunção. Quando estamos certos de que
aquilo que pedimos é para a glória de Deus, então, se tivermos poder na oração,
podemos dizer: "Não te deixarei ir se não me abençoares". É possível
chegar a um tal relacionamento íntimo com Deus, e como Jacó com o anjo, podemos
lutar e tentar vencer o anjo para não sermos mandados embora vazios, sem recebermos
a bênção desejada. Mas antes de chegarmos a essa intimidade, devemos ter a
certeza de que aquilo que estamos buscando é realmente para a honra do Mestre.
Ponha estas três coisas juntas:
1) profunda espiritualidade que reconhece a oração como sendo conversa real
com o Deus invisível - clareza que evidencia realidade na oração, pedindo por
aquilo que sabemos necessitar; 2) muito fervor, crendo que é realmente
necessário aquilo que desejamos, estando dispostos a obtê-lo pela oração, desde
que seja possível tê-lo por meio da mesma; 3) acima de tudo isso, completa
submissão, deixando-o ainda com a vontade do Mestre. Tudo isso deve ser
amalgamado e então terá uma idéia clara do que é ordenar sua causa diante de
Deus.
Ainda mais, a oração em si
mesma é uma arte que somente o Espírito Santo pode nos ensinar. Ele é o doador
de todas as orações. Rogue pela oração - ore até que consiga orar, ore para ser
ajudado a orar e não abandone a oração porque não consegue orar, pois nos
momentos em que você acha que não pode orar, é que realmente está fazendo as
melhores orações. As vezes quando você não sente nenhum tipo de conforto em
suas súplicas e seu coração está quebrantado e abatido, é que realmente está
lutando e prevalecendo com o Altíssimo.
C. H. Spurgeon - By http://www.josemarbessa.com/
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